4.30.2004

Louçã. Com as orelhas a arder (mantém o ar trágico)

O Paulo Pinto Mascarenhas tem dado porrada da grossa no Bloco. Em minha opinião, tem prestado um serviço público.
Entendo que não devemos levar o Bloco demasiado a sério. Tal como aqui escrevi (em 04.02.2004), o Bloco, ao não compartilhar, e enquanto não compartilhar, os conceitos de liberdade e responsabilidade inerentes à democracia que temos, quase unanimemente aceites, não passa e não passará de um partido marginal. O facto de assim ser não exclui, porém, que seja útil combatê-lo (politicamente e não à bomba). Desmascarando as suas farsas, rebatendo o seu argumentário, desmentindo as suas calúnias, falando mais alto quando gritam, interrompendo as suas sistemáticas interrupções. Evitando que seduza outras esquerdas, num momento de debilidade destas, para fazer passar algumas das suas irresponsáveis políticas. Impedindo os males que, ainda assim, pode criar.
A direita esclarecida, ou uma grande parte da direita esclarecida, tem pouca paciência para a ginástica política de manutenção. Fica à espera dos momentos que julga importantes para aparecer, quando se digna aparecer. É por essa razão que vivemos na permanente ilusão de que em Portugal a grande maioria é de esquerda. É por esta razão que a porrada que o Paulo habitualmente dá no Bloco é de louvar.

poema para a ex-ex-revolucionária Isabel do Carmo

E também para o nosso PR (que, desta vez, esteve muito mal):

Raio de Luz

Burgueses somos todos nós
Ou ainda menos.
Burgueses somos todos nós todos
Desde pequenos

Burgueses somos nós todos
Ó literatos.
Burgueses somos nós todos
Ratos e gatos

Burgueses somos nós todos
Por nossas mãos.
Burgueses somos nós todos
Que horror irmãos

Burgueses somos nós todos
Ou ainda menos.
Burgueses somos nós todos
Desde pequenos.

[Mário Cesariny, Pena Capital]

ter ciúmes de Meg White

Leio no NME que Meg White partiu um braço. Menos mau, podia ter sido pior. Podia ter sido um pé.
Os pés de Meg White fazem parte do meu imaginário. Pés claros, feios, fortes, tesos. Os pés de Meg White em bicos dos pés. Partidos? Só se eu fosse ortopedista.



Para a Meg White (e para quem mais apanhar):

Your breath is sweet
Your eyes are like two jewels in the sky.
Your back is straight, your hair is smooth
On the pillow where you lie.
But I dont sense affection
No gratitude or love
Your loyalty is not to me
But to the stars above.


[One More Cup Of Coffee]

o que é feito de? As góticas

Sempre gostei de góticas. Sei que é uma questão de mau gosto, mas há matérias em que o meu gosto é demasiado vasto e variado para poder ser apenas bom.
Enquanto ouvia The Happy Goth do último Divine Comedy, lembrei-me delas. Lembrei-me do tempo, já distante, em que frequentei um infecto centro comercial na Almirante Reis (no qual ainda hoje se vendem bons discos em segunda-mão) onde pela primeira vez as vi. Era o tempo em que elas andavam por aí. No fundo do vão de escadas de um prédio por acabar, lá estavam elas encostadas à montra da loja de tatuagens, sempre de beata entre os dedos nos quais se digladiavam anéis com caveiras e cruzes célticas. As várias camadas em diferentes texturas de preto tornavam impossível perceber onde acabava uma roupa e começava a outra. Mas nem tudo estava tapado, e assim podia ver-se uma pele muito, muito, branca, sobre a qual escorriam compridos uns cabelos muito, muito, pretos, até aos decotes muito, muito, generosos, no meio dos quais despontavam dois peitos muito, muito, apertados. Depois, eram os piercings numa altura em que ninguém usava piercing, os olhos carregados de graxa e de sono, o ar triste mas ameaçador de quem queria fazer um mal que não era mau, e a minha incapacidade de com elas falar. Tímido, avesso ao cheiro da cola, sem LPs dos Bauhaus ou Sisters of Mercy para trocar, como conseguiria eu meter conversa. Às góticas com pulseiras de pregos em vez de relógios, nem as horas dava para pedir.
Malditas góticas, pensava eu quando por elas passava. Malditas góticas que me punham as hormonas aos saltos. Maldita evolução que veio dar cabo delas.

intenção de voto

Apoio a lista do PSD/PP por duas razões: a primeira é Vasco Graça Moura. A segunda, e principal, é Assunção Esteves.
Admiro muito Assunção Esteves. É inteligente e tem um enorme bom senso, qualidade cada vez mais importante. Só tenho pena que, fazendo cá tanta falta, vá para o insípido Parlamento Europeu votar recomendações para que seja abolida a colher de pau ou aumentado o cumprimento da fita métrica.

4.29.2004

o melhor título de post

Rui Vieira Nery a apanhar bonés
Subtil, erudito (um grande bem haja para Rui Vieira Nery) e com pilhas de humor.

4.27.2004

fnac – essa instituição que me faz rastejar

Entro na Fnac. De há uns tempos para cá têm chegado a um ritmo alucinante novos filmes à Fnac. Há banheiras de DVDs espalhadas e empilhadas por todo o lado. Eu, consumidor angustiado e muito curioso, depois de espreitar as prateleiras, preciso de ver o que está dentro dos caixotes para saber o que comprar. Acho sempre que aquilo que mais quero está escondido no fundo de um caixote. Vai daí, peço a um funcionário que passa para ver o que está lá dentro. O funcionário, de rabo-de-cavalo e aspecto sub nutrido, com modos não tão simpáticos como devia, diz-me que não é possível, que tenho que esperar que tudo seja arrumado nos escaparates. Pergunto-lho quando é que isso vai acontecer, já que desde há muitas semanas vejo caixotes acumularem-se pelo chão. A resposta é a esperada: quando for possível!
Não me conformo. Não desisto. Não posso desistir enquanto me passar pela cabeça que no fundo daquelas banheiras pode estar o filme que procuro. Espero que o funcionário desapareça e sorrateiramente ponho-me a espreitar para dentro dos caixotes. O primeiro, o que está em cima da pilha, é fácil de vasculhar. Nada de especial. Passo aos seguintes, missão mais espinhosa que implica acartar com caixas de vários quilos. Uma a uma, lá as vou desempilhando, sempre de forma discreta para não ser apanhado pelo funcionário. Alerta máximo. Olhos a girar como um radar. Trabalho braçal expedito. Até que, com um gesto atabalhoado, entorno uma das banheiras. Há que agir rapidamente. Levanto-me, disfarço e circulo como se não fosse nada comigo. Dou uma volta e volto ao mesmo local, tentando pôr o ar de quem acabou de chegar. Surpreendido, ou fingindo estar, baixo-me para arrumar o que ficou no chão. Aproveito e vou vendo os DVDs. Sinto-me como se estivesse a roubar num supermercado. Sinto o calor abafado de uma cave bafienta. Sinto-me mal, embora não esteja, nem queira fazer mal algum. Quero apenas comprar qualquer coisa numa loja. Presumo que os da loja queiram vender. Não percebo nada.

coisas de que gosto quando começa o verão

Elas com os pés à mostra.
Coisas de que não gosto quando começa o verão:
Empresas com um dress code rígido e austero.

Brown Bunny, Mullholland Drive, e a obscura metamorfose do gosto

Comecei por gostar muito dos dois antes sequer de os ver, porém, ambos acabaram por me desiludir à primeira vista. Em ambos os casos, senti-me enganado, frustrado, traído por os ter defendido e eles terem-me aldrabado. Em ambos os casos, a seguir a vê-los, exclamei: que merda é esta!
Acontece que, alguns dias depois de vê-los, comecei a lembrar-me deles como outros filmes, diferentes dos que havia visto. Bons filmes. Grandes filmes. Pouco a pouco, os maus momentos passados na sala de cinema foram sendo substituídos por uma sensação de dever cumprido, à qual se seguiu a alegria por descobrir ter valido a pena cumprir o dever. Os momentos desagradáveis passaram a ser lembrados como momentos de prazer, aquilo que antes parecia estúpido tornou-se poético e o sentido que faltava foi encontrado.
Brown Bunny e Mullholland Drive são, cada um à sua maneira, pesadelos difíceis de ter. Mas, tal como os pesadelos mais fortes, marcantes e recorrentes, os ‘nossos’ pesadelos, aqueles que nos pertencem por não nos acontecerem ao acaso, depois de passados provocam as mais intensas recordações, as melhores recordações. Às tantas, ficamos (eu, pelo menos, fico) sem saber se aquilo de que nos lembramos foi sonhado, quantas vezes foi sonhado, ou de facto aconteceu, nesta, noutra ou em nenhuma encarnação. São filmes que ficam como refúgios da memória onde apetece voltar. Não aos filmes, mas aos resquícios que vão deixando. São filmes que nos satisfazem quando não estamos a vê-los: antes, porque suscitam o prazer de ainda os poder pela primeira vez vir a ver; depois, porque passamos a viver com eles. E num belo dia, ou num feio dia, acordamos e constatamos que também aqueles filmes que havíamos detestado podem tornar-se nos filmes das nossas vidas.

relato das comemorações de Abril enviado por um amigo

“Eu e o camarada Pereira fomos à avenida festejar a liberdade. Enquanto o País foi para a praia, nós fomos ver e apoiar as nossas forças armadas. Em especial aplaudir efusivamente o sub agrupamento alfa que desfilou os carros novinhos antes de partirem para o médio oriente onde irão ajudar a maioria silenciosa Iraquiana fazer a sua revolução.
Correu tudo normalmente. Com uma hora de atraso começaram a chegar as altas individualidades. O pouco povo que compareceu grunhia à vista de cada carro preto. Alguns, e só alguns, apuparam o primeiro-ministro, outros, como eu, aplaudiram-no. O Pereira ajeitou o cravo na lapela.
Fiquei surpreendido com o número de mulheres a marchar. E boas! O Pereira emocionou-se quando passou a tropa dele e precisou de se sentar por uns momentos na relva. Afinal sempre foram 3 dias de grande fraternidade.
É pena não termos um daqueles mísseis grandes para mostrar. Mas temos uma charanga, e não deve ser nada fácil tocar corneta a galope. Com isto eram três da tarde e era urgente fugir, já que a esquerdalha preparava-se para rastejar avenida abaixo.”

João Santos Lima

4.26.2004

direito de resposta

(a propósito de um artigo no Expresso de há duas semanas, no qual sou caracterizado como um optimista. E a propósito da Evolução)
Não sou um optimista. Sou realista e, por essa razão, raras vezes sou optimista. Não tenho grande confiança na retoma. Tenho pouca esperança na melhoria da produtividade. Acho que em Portugal continua a trabalhar-se pouco e mal, e a educar-se pior. Acredito pouco no desenvolvimento económico de Portugal nos próximos anos, porque sei que o país não está preparado para tomar medidas necessárias para desenvolver-se, pelo menos ao ritmo desejável. E como não está preparado, faz bem em não tomá-las. (Só um exemplo: Portugal não está preparado para aguentar as consequências sociais do desemprego que resultaria do emagrecimento do Estado, sendo que o emagrecimento do Estado é uma das medidas fulcrais para um mais rápido crescimento económico).
Reconheço todos estes males. No entanto, a minha paciência para o excesso de lamentações e lamúrias definitivas sobre o estado do País tem diminuído. Tem diminuído muito. ‘Isto está mal’, ‘Isto está cada vez pior’, ‘Só faltava mais isto’, ‘Batemos no fundo’, etc., etc., etc. – São frases que hoje, à esquerda, à direita e ao centro são recorrentemente ditas a propósito de tudo e mais alguma coisa, às quais se segue um atirar de culpas nas mais variadas direcções.
Culpa do estado a que chegamos. Culpa do Estado e da sociedade civil que é fraca; culpa de quem manda, de quem obedece e de quem não obedece; das leis e da sua aplicação; do governo, dos patrões, dos sindicatos, da oposição e da falta dela; do povo, da televisão, do Salazar, do 25 de Abril, do Cavaco e do Soares; do PREC, da descolonização, da ditadura e da guerra em Africa; da globalização, da Europa, do mundo. Das portuguesas, dos portugueses e de Portugal.
Todos (eu incluído) atribuem culpas aos mais diversos culpados. Excepto ao tempo. Excepto ao tempo que leva pôr direito aquilo que estava torto. Por mim, cada vez mais me inclino para considerar que a principal culpa do nosso atraso é do tempo que falta para o nosso desenvolvimento. O tempo é essencial para ultrapassar certos obstáculos. Para muitos que nos faltam é preciso tempo. Não há política que ultrapasse isso. Pode encurtá-lo ou dilatá-lo, mas nunca irá supri-lo.
Por isso, apesar de não ser um optimista, não gosto de ouvir as recorrentes frases pessimistas. ‘Isto está mal’, ‘Isto está cada vez pior’, ‘Só faltava mais isto’, ‘batemos no fundo’, etc., etc., etc.
Não é verdade. Mesmo havendo verdade em muitas das queixas que levam a estes desabafos, não é verdade que isto esteja cada vez pior. Mais, se comparado com o que era num passado próximo, isto está cada vez melhor. Portugal está muito melhor hoje do que há 30 anos, ou há 31, ou 29 anos. Independente de todos os cenários negros que são traçados, de todas as estatísticas e índices que nos atiram para a cauda da Europa e de todos os diagnósticos do Medina Carreira ou de outros com quem em quase tudo concordo, os portugueses vivem muito melhor agora do que antes. Para muito mais gente é muito melhor viver no Portugal de hoje do que no de há 30 anos. Digo-o as vezes que forem necessárias. Não é preciso ter vivido nessa altura para sabê-lo, basta não ser quadrado.
Nos últimos 15/20 anos, um elevadíssimo número de portugueses passou a ter acesso a coisas tão simples como comida, água canalizada, electricidade, gás, informação, transportes, casa, férias, bens supérfluos e tantas outras coisas que hoje, felizmente, são dados adquiridos para muitos. Para já não falar de outras alterações, mais importantes até, que me levariam a uma outra discussão na qual agora, por falta de tempo, não me interessa entrar. Reconheço que falta muito para sermos o que queremos ser, mas isso não invalida que hoje se viva melhor.
Quero que fique claro que não sou um optimista quanto ao futuro. Mas estou mais do que convencido que desde 1974 se avançou muito em pouco tempo. Ou, dito de outra forma, se evoluiu muito.


4.24.2004

a propósito da rubrica palavras a abandonar instituída pela Bomba

Pela minha parte, numa primeira investida, sugiro quatro:
"Esposa". "A esposa" será sempre, na melhor das hipóteses, uma dona de casa casada com um qualquer comendador de Paços de Ferreira ou com o Major.
"Mala", quando usada para significar carteira. Eu, que tanto gosto da Clara Ferreira Alves, ainda não tive coragem para tentar perceber o título do seu livro Mala de Senhora, com receio de ser esse o uso dado à palavra. Para além de tornar mais frequente as sempre de evitar expressões (sobretudo quando ditas rapidamente) ‘uma mala dura’ ou ‘uma mala mole’.
"Colega", quando usada para indicar qualquer pessoa que não tenha andado connosco na escola. É especialmente desagradável o uso desta palavra para referenciar alguém que se senta na mesma mesa de restaurante.
E, last but not least, "prenda". Não é prenda, é presente – certo ou errado, foi assim que me ensinaram.

4.23.2004

growing up in private

Não sei se o filme Sylvia vale ou não a pena. Depois de ter ouvido o aval de João Lopes acredito muito que sim.
A Campânula de Vidro* foi um dos livros de referência da minha adolescência. O ambiente depressivo e o final infeliz encaixaram muito bem na idade do armário, da mesma forma que o retrato da sociedade patriarcal e puritana da Nova Inglaterra dos anos 50 serviu de contraponto a uma hiperactividade desregrada no meio de uma família matriarcal e liberal q.b.
O processo de crescimento implica sempre uma perda de ingenuidade e, com ela, alguma desilusão. Uma desilusão que, no caso de Esther Greenwood – ou, se preferirmos, de Sylvia Plath -, desembocou directamente num estado de lucidez insana, ou loucura consciente, sem direito a passagem pela maturidade tal como esta é suposta ser.
Tenho para mim que este é um daqueles livros que devem ser lidos numa certa idade. Não é que seja bom numa altura e deixe de sê-lo noutra – os clássicos são intemporais, e a Campânula de Vidro é um clássico. Mas tenho dúvidas que, longe das birras e rebeldias idiotas da puberdade, longe das dúvidas existenciais de quarto fechado à chave, longe da ingenuidade que se perdia, consiga gostar-se tanto dele.

*A Campânula de Vidro, Assirio & Alvim (The Bell Jar, 1963)
Misérias
Ser corrompido com uns sapatos (Campor, quase aposto)
Al Capone
À porta de uma esquadra (ou seria de um tribunal?) encontra-se um vulto baixo, de mãos nas ancas, pernas abertas e barriga espetada, com as costas ligeiramente inclinadas para trás. Imóvel, veste um fato Borsalino de três peças e observa. Subitamente, levanta a mão direita e, com os dedos em forma de V, dirigi-a à boca no meio da qual, enfiado, fumega um bruto charuto. Inspira, expira. Inspira, expira. E com a outra mão acena para a multidão que na rua por ele grita.
Estão a ver quem é?
Começa por V e acaba em im.

4.22.2004

Comemorar Abril

Enquanto não chegam as t-shirts (molhadas) por sobre as mamas em forma de cone das miúdas do bloco, sugiro que se vá comemorando a revolução.
Desculpem, a evolução

Revolution
You say you want a revolution
Well you know
We all want to change the world
You tell me that it's evolution
Well you know
We all want to change the world
But when you talk about destruction
Don't you know you can count me out
Don't you know it's gonna be alright?
Alright?
Alright?

You say you got a real solution
Well you know
We'd all love to see the plan
You ask me for a contribution
Well you know
We're doing what we can
But when you want money for people with minds that hate
All I can tell you is brother you have to wait
Don't you know it's gonna be alright?
Alright?
Alright?

You say you'll change the constitution
Well you know
We all want to change your head
You tell me it's the institution
Well you know
You better free your mind instead
But if you go carrying pictures of Chairman Mao
You ain't going to make it with anyone anyhow
Don't you know know it's gonna be alright?
Alright?
Alright?

Alright! (repeat X number of times)


(sublinhado meu)

Sim, daquele rapaz que tem involuído muito nos últimos anos.
Comemorar Abril



Mais do que indignar-se com a falta do R na Evolução, a esquerda romântica deveria insurgir-se contra o grafismo do cartaz oficial.
Cravos ao jeito de Andy Warhol. Uma certa icnografia pop. Uma total falta de substância. Com esta imagem, o 25 de Abril evoluiu de uma revolução séria, susceptível de provocar as mais emotivas discussões, para uma coisa gira, totalmente inofensiva, que todos podem levar para casa em forma de poster.
Para quando as t-shirts com a cara de Álvaro Cunhal ou as almofadas com a de Otelo?
Comemorar Abril



Abril é evolução

4.21.2004

Comemorar Abril

Ano________1975 _1976_1979_1980_1983_1985_1987_1991_1995_1999_2002
APU/CDU%_12,5__14,4__18,9_ 16,8_ 18,1_ 15,5__12,1__8,8__ 8,6__ 9,0___7,0

Em Abril, num só dia, uma imagem (aritmética) da evolução
Tribunal de Madrid, competência territorial na comarca do mundo
Eu sabia que a cidade onde há mais restaurantes é Nova Iorque, a cidade onde há mais mini-pratos é Lisboa e aquela onde há mais francesinhas é Paris.
O que não sabia, mas fiquei agora a saber, é que a cidade onde há mais juízes que querem julgar (todo) o mundo é Madrid. Com um: O megalómano Baltazar Garzón, que acaba de notificar os Estados Unidos para prestarem esclarecimentos sobre o bombardeamento do hotel Palestina em Bagdad.
Se o mundo está perigoso, Baltasar está cá para torná-lo mais seguro

4.19.2004

in pursuit of happiness


A grandiloquência acima de tudo. Os complexos arranjos barrocos. As letras ultra românticas onde não falta, a espaços, o comentário social sarcástico. O coração aberto, por vezes apaixonado, noutras dilacerado, mas ainda e sempre apaixonado, que transforma os mais banais fait-divers em dramas de dimensões épicas. A ingenuidade. As cordas que marcam o ritmo, os metais que sublinham a melodia e a voz de barítono que emerge acima de tudo o resto. A literacia declarada e declamada, nunca pedante, onde são convocados Scott Fitzgerald, Oscar Wilde, Dickens e outros tantos clássicos. Porque também clássica e, para mais, obsessiva é vontade em imitar e superar o génio de Scott Walker, ao ponto de parecer que é Walker aquele que na realidade é, se não em corpo, pelo menos em espírito: Neil Hannon de seu nome, Divine Comedy a sua marca.
No último disco – Absent Friends – Hannon dá um passo atrás, o que equivale a dizer que dá um passo adiante, em direcção ao seu passado e aos seus melhores discos:
Liberation, Promenade, A Short Album About Love. Ou, por outras palavras, a teatralidade musical muita acima de todas as Broadways e West Ends deste mundo e dos demais; a nostalgia de umas férias de infância nas quais, por um momento que fosse, se teve a ousadia de ser infeliz; e o perfeito disco de cabeceira ou da cabeceira colocada ao lado da cama onde se deitou aquela que com ele em tempos foi conquistada.
Não há que enganar nem quem enganar.
No regresso às origens que é Absent Friends há coisas muito melhores do que outras. (Das outras não me apetece falar). Da melhor sim. Para mim que sou suspeito (no que respeita a Divine Comedy, entenda-se), é sem dúvida Our Mutual Friend, uma canção onde Hannon relata o engate de uma noite que acabou mal. Só que, com Hannon, um engate nunca se fica só por uma noite, mesmo que de facto apenas e só essa noite tenha durado. Hannon é um romântico, incapaz de esquecer no dia seguinte. Hannon apaixona-se mesmo que tenha sido ‘uma coisa sem importância’. Hannon sofre mesmo que só tenha acontecido por estar(em) com os copos. E, porque se apaixona e com isso sofre, Hannon escreve e compõe com tamanha arte que torna uma noite para tantos corriqueira numa história de amor impossível. Para si e para quem a ouvir.
Neil Hannon é único e é assim que o queremos. Se fosse Scott Walker não seria Neil Hannon e, não o sendo, como é óbvio, nunca teria feito os discos que fez, sem os quais nós que os temos, ouvimos e sem eles não passamos, seríamos imensamente infelizes. Ou quiçá mais felizes. Mas, em qualquer caso, mais tristes.

4.16.2004

I put a spell on you
A entrada na cidade faz-se a grande velocidade, atravessando múltiplas e invisíveis vias verdes que fazem debitar na conta do condutor taxas de penetração de valor elevado. Ruas largas, árvores, muito verde e muito branco das casas coloniais e do seu reflexo em arranha-céus de vidro que com aquelas alternam. Um hotel que ocupa um quarteirão inteiro, também branco, também colonial, é um ponto de chegada. Nesta cidade que também é Estado, convivem numa aparente harmonia cristãos, hindus, muçulmanos, europeus e orientais do próximo, médio e extremo oriente, todos vestidos como lhes apetece segundo os seus costumes e religião. Consta que há muitas coisas que são proibidas, mas não é visível o mínimo sinal de repressão ou sequer de prevenção. O que há é muito calor, mas a vida desenrola-se como se não vivêssemos neste tempo, neste planeta. É tudo muito limpo, arrumado e civilizado, dos passeios imaculados que se podem percorrer com a língua até ao famoso bar do hotel onde há anos é mantida a tradição de atirar as cascas de amendoim para o chão.
Canas de bambu, um calor húmido e insuportável, cadeirões de palhinha, um longo parapeito branco que acompanha uma varanda em forma de corredor, entrecortado por colunas altas que a sustentam. Num quarto, no tecto, por cima da cama, uma ventoinha rodando num círculo de diâmetro considerável ameaça cair e esquartejar dois corpos já em baixa tensão. Na nossa cabeça e por cima dela, a ventoinha, de objecto essencial à respiração passa a objecto ameaçador. A ventoinha é a mesma, o motor que a faz rodar também. O princípio do Apocalipse. Now. Não, o fim de uma tarde.

Na Internet nada se perde
Afinal, Pedro Lomba não apagou o Flor. Ou será que foi a rede que não deixou que ele se apagasse?
Bendita seja a tecnologia e todos aqueles que não a dominam.
Revista Ibérica
Que se façam as pazes com Saramago, tudo bem.
Que se ‘normalizem’ as relações, de acordo.
Mas, aquele fato? Aquele azul berrante? Havia mesmo necessidade de ir ao guarda-roupa do Parque Mayer?
Bring it All back Home (II)
Sou leitor habitual do Babugem e compartilho muitos dos gostos do Ricardo em discos, filmes e livros, mas poucos posts seus me tocaram como o de anteontem: ‘Um mundo sem discos’.
Porquê? Porque também vejo com horror o mundo sem discos.
Discos à séria, originais, daqueles que são vendidos por muito mais daquilo que custam. Os que saem num dia certo, para os escaparates de uma loja e, depois de manuseados, aí são comprados. Ou que chegam num embrulho enviado da Amazónia. Que dão a sensação e o título de posse e, acima de tudo, de propriedade. Individual. Sobre os quais se pode dizer ‘são meus’ sem estar a mentir.
Serei um idiota, mas sou incapaz de não comprar 'o disco'. Mesmo que já tenha uma cópia ou facilmente consiga vir a tê-la, se gosto da música, vou e compro o original. Felizmente posso, mas, se não pudesse, julgo que também assim seria.
Fui educado no tempo dos LP's. No tempo em que as capas eram a coisa mais importante dos discos, o fundamental, e o que lá vinha dentro, a música, era para ouvir em sua função. Tempo em que a possibilidade de fazer uma cópia implicava a gravação de uma cassete, dentro da qual havia uma etiqueta padronizada, com mais (BASF, Sony) ou menos linhas (TDK), onde o nome das músicas era inscrito à mão e na lombada, também à mão ou com letras de kalkito, escrevia-se o nome do disco. Com uma letra medonha, nunca gostei de as ostentar. E falar na 'minha colecção de cassetes' era algo que me deixava com o orgulho em baixo.
O objecto ‘cassete’ sempre me fez lembrar coisas demasiado estéreis, como aulas gravadas, audiências, atendedores de chamadas, ou inoperantes, como jogos do spectrum que não 'entram', ou parafusos mal apertados. É absurdo, mas sempre que penso na palavra cassete, penso logo na palavra repartição. De quê? Pública? Das músicas e da música pelo público? As cassetes não têm vida. A sua funcionalidade aceitável resumiu-se à gravação de compilações para ouvir nas férias e de discos que não se podiam ter, apenas e só, enquanto não se podiam comprar.
Dir-me-ão que agora é diferente, que com o aparecimento dos CDs o fetishismo pelos discos esmoreceu (onde estão as capas de desdobrar dos Yes), e que as cópias de um CD são feitas para um outro CD, de forma e aspecto idêntico.
Não é bem assim. Não é nada assim. Como diz o Ricardo, continua a pôr-se o problema das capas, dos livretes, das embalagens, até porque, a pouco e pouco, cada vez mais editoras têm vindo a colocar imaginação, talento e cuidado na sua concepção e elaboração. Acresce que, também os CDs para copiar me provocam incontroláveis associações reflexas. Assim, a seco, as rodelas prateadas com a legenda a marcador trazem à memória coisas tão desagradáveis como salas de informática, help desks, cd roms e aquela mania miserável que algumas pessoas têm de as pendurar no espelho retrovisor do carro, a qual ainda não consegui perceber se se deve a alguma superstição (bruxaria?) ou apenas ao péssimo gosto dos donos dos carros.
Fazer downloads (é assim que se diz? Fazer?) para o computador, também não gosto. Desde logo por recusar ouvir música saída de um computador - outra das bizarrias que ainda cultivo é a de gostar de aparelhagens, de preferência estéreo, para as quais a grande maioria dos bons discos foram gravados. Dopo, porque a ideia de ouvir música tirada da Internet assemelha-se à de comer arroz emprestado pela vizinha – solução à qual apenas em casos de desespero se deve recorrer.
Habituei-me a tratar um disco como algo íntegro, em que a embalagem é o corpo e a música que a dita embala, a alma, uma alma que vive para além do disco, como - para quem acredita - a música vive para além do corpo. Mas não tenho dúvidas que tudo seria mais pobre e maçador, se já nesta vida as almas largassem os corpos e a música se soltasse dos discos. Abaixo o mundo sem discos.

4.15.2004

iHum Bom(b)!*
Pois eu, no que respeita à Bomba Inteligente, raramente me engano por nunca deixar de ler e gostar. Muito. Já este my Moleskine, não estando (?) ao nível do de alguns ilustres e incondicionais fãs do famoso bloco – Hemingway e Bruce Chatwin, por ex. –, não tenho dúvida merecer, por ora, o benefício da mesma.



* para a Bomba (e, sem que tenha algo a ver, para todos aqueles que, com a melhor das intenções e porventura carregados de razões, ao longo do último ano, nos têm vindo a avisar e alertar para o erro que é a guerra do Iraque, parte dois)

4.14.2004

a América. De mota e parada, em silêncio e a conversar, a chupar e a fumar



Anos houve em que fui incapaz de perder um número que fosse da Inrockuptibles. Mensalmente - primeiro - e semanalmente - a seguir - lá ia eu à loja das revistas agarrar num exemplar que, em grande parte, furiosamente consumia. Depois, o hebdomadaire começou a aventurar-se com não pouca regularidade na oferta de opinião política, área na qual, ao contrário do que sucede relativamente à crítica de música e cinema, os franceses são, e cada vez mais estão, assustadoramente correctos - politicamente correctos. Havia números que mais pareciam panfletos do protocolo de Quioto ou de um qualquer fórum mundial em Belo Horizonte. Comecei, assim, a perder a paciência para a revista e aos poucos fui deixando de comprá-la.
Há, porém, edições da Inrockuptibles que devem em absoluto ser lidas. É o que se passa com a da semana passada (ainda à venda num quiosque de qualidade perto de si) na qual posam para a capa Vincent Gallo e Jim Jarmush – les dandys du cinema américain.
Vincent Gallo, melhor em entrevista do que em filme – Brown Bunny apenas vale pela música (Honey and milk, de Jackson C. Frank, merece ser conhecida) e algumas imagens da América vista por detrás do vidro sujo de uma carrinha (a cena final é constrangedora, não por ser o que é, mas por ser narcisicamente perra e enferrujada) –, atira-se ao actual cinema francês (Je trouve ses filmes incroyablement emmerdants, boursouflés, banals. Encore un pédé européen chiant – diz referindo-se a Patrice Chéreau), a Mel Gibson (...est un fanatique religieux, pas un homme politiquement de droite), aos eleitores do Partido Democrata (Ces gens-lá sont ceux qui vont voir les films commerciaux, qui ragardent la télé de merde, qui achètent dês fringues pourris, etc.) e à demagogia eleitoral da esquerda (Un polititien de gauche se presente et dit aux pauvres “Les républicains vont s’emprer de votre médecine, ils vont prendre votre argent pour donner aux riches”, il dit aux Noirs “Les Blancs vous ont domines pendant les anées”, il dit aux pédés “Vous méritez plus droits”. Comme si les homosexuels étaient opprimés en 2004!), fintando sempre com habilidade as provocatórias perguntas de Serge Kaganski, um dos melhores críticos de cinema de sempre - um dos mais militantemente esquerdistas, porém.
De Jim Jarmush (um verdadeiro grande nome do cinema independente) é feita a antevisão do próximo filme Cofee and Cigarettes. Neste, Jarmush junta o habitual gang – Tom Waits, Steve Buscemi, Roberto Benigni, Iggy Pop – à volta de uma mesa de café, e acrescenta-lhe mais alguns nomes como Cate Blanchett, Bill Murray e os inesperados - ou talvez não - White Stripes. Um filme onde não há silêncios martirizados, nem broches, e as conversas andam à volta de coisas banais, como Paris nos anos vinte, Nikola Tesla – o inventor do radar –, as medicinas alternativas ou o uso da nicotina como insecticida.





4.13.2004

Nova Iorque (V)
E se de repente os vizinhos do bairro decidissem conceber e produzir em conjunto para o ‘seu’ público o que de melhor sabem fazer. Vai daí – Greenwich Village é um mundo e o mundo é pequeno –, Laurie Anderson compõe a música, Lou Reed empresta mais algumas, Cindy Sherman desenha os cenários, Tara Subkoff as roupas, e a Stephen Petronio Company dá o corpo ao manifesto. Diz quem sabe, decide e marca os bilhetes, que é uma das mais extraordinárias companhias de dança da actualidade, e – digo eu, que li o programa com atenção – a que mais consistentemente segue as pisadas (ou será passadas) das companhias de Merce Cunningham, Bill T. Jones e Trisha Brown. A coisa promete. Duas obras – City of Twist e The Island of Misfit Toys – que supostamente retratam a Nova Iorque pós-11/09.
Uma ida ao bailado. Na plateia do Joyce Theater – uma sala off off Broadway, sita na esquina da 8ª Avenida com a Rua 19 – sentam-se alguns dos estereótipos acostumados a dizer presente aos eventos culturais da baixa nova-iorquina: a lésbica (que não chique) solitária coberta de trapos pretos e óculos rectangulares de massa grossa da mesma cor; o adolescente ruivo e parolo, de calças brancas, gravata e blaser azul ‘Carris’; famílias tradicionalmente maçadoras mas essencialmente procriadoras, de pai, mãe e mais de dois filhos; famílias maçadoramente tradicionais (marido e mulher); vários pares gay, em versão musculada (t-shirt de alças, tatoo e cabeça rapada), em versão sensível (camisa branca abotoada até cima e cabeça rapada), e em versão mista (camisa branca de manga curta, tatoo e cabeça rapada); assíduos do festival de cinema de TriBeCa; as amigas de trinta e qualquer coisa, em programa de sábado à noite (passou-se num sábado à noite), porque são muito independentes, giras e cheias de personalidade; resquícios da Wall Street dos anos oitenta e dos livros de Bret Easton Ellis; o cozinheiro que fala francês; o designer que fala finlandês; os amigos dos do palco, os amigos do palco e as amigas da coca.
À subida do pano, exactamente na hora marcada, todos reagem com silêncio. E em silencio assistem a um brilhante espectáculo difícil de descrever da tão abstracto, para, em seguida, desfazerem-se em aplausos, antes de um intervalo onde foi possível ouvir conversas sobre as huge and amazing instalations expostas na bienal do Whitney, insultos ao Bush e elogios ao discurso de Clinton numa convenção dos ‘burros’, por entre encontrões e copos de chardonay (um mais que duvidoso vinho californiano). Outros limitam-se a seguir o caminho da rua, local sempre acolhedor em Nova Iorque, onde, para mais, ainda é permitido fumar.
Sob a obra e as marcas deixadas por Giuliani, na downtown de Manhattan, a esquerda continua a ser quem mais ordena.

4.11.2004

Domingo de Páscoa
Um dos fenómenos que mais confusão me causa, é a ostentação bem disposta de ignorância religiosa por parte de alguns ateus e/ou agnósticos anticlericais, como se o desconhecimento que declaradamente exibem fosse um atestado de maioridade intelectual. Eu cá não sei nada disso – parece quererem dizer sempre que falam de algum aspecto da fé, sem que no entanto se coíbam em, de seguida, proferir juízos definitivos, sentenças irrecorríveis e comentários finais a esse propósito.
É um absurdo que aqueles que não acreditam tentem negar ou troçar (militantemente) de realidades que apenas são concebíveis para quem acredita. É tão absurdo que apenas se explica com uma compulsiva necessidade de atacar aquilo de que não gostam, nem que para isso vistam a fatiota de palhaços.

Diferentes, mas igualmente incompreensíveis, são aqueles que não fazendo parte da Igreja (não no sentido institucional mas no de comunidade), porque nela não acreditam, tentam a todo o momento definir as suas regras. Embora não reconheçam o papel eucarístico dos padres, querem que estes se possam casar; Embora não assistam à missa, exigem que as mulheres sejam ordenadas; embora não acreditem no mistério da fé (por não a terem), querem que os divorciados e os não baptizados possam comungar; embora não relevem a vinda de Cristo à terra, insurgem-se por um filme que retrata parte da mesma não mostrar (na sua óptica) amor mas só violência.
Qual amor? Qual é o amor que estas criaturas queriam ver no filme? Uma visão romântica da crucifixão? Uma versão asséptica da via-sacra? Mas porquê? Se para eles a vinda de Cristo, a Via-sacra e a crucifixão não representam nada além de alegados factos históricos. Atacar o filme de Mel Gibson por esta razão, para alguém que milita contra a religião cristã ou pura e simplesmente não acredita em Jesus Cristo, é mais ou menos o mesmo que alguém que não acredite na vida extraterrestre atacar um filme de ficção científica por o marciano ser verde.
Compreendo que se insurjam quando a doutrina da Igreja possa ter consequências fora da sua esfera religiosa – Se a Igreja quiser impor o que quer que seja a quem dela não faz parte, ou mesmo a quem dela faz parte, no caso de tais imposições serem indignas para quem as deve acatar. Percebo que reajam quando alguns dos membros da Igreja com responsabilidade perante um elevado número de pessoas, mesmo sem quererem impor, aconselham comportamentos potencialmente perigosos (estou a lembrar-me do desaconselhamento do uso do preservativo). Defendo que ataquem se e quando a Igreja tentar determinar aquilo que podem ver, ler, ouvir ou falar. O que não aceito é que aqueles que não acreditam, queiram impingir à Igreja da qual não fazem parte, as regras e costumes ‘lá de casa’, só porque, na sua concepção agnóstica do mundo, não simaptizam com os que nela vigoram.
Não aceito as regras que tentam impor - entenda-se -, porque a “catequese” recorrente e estafada que debitam cá estarei para continuar a ouvi-la. E a ela reagir, sempre que para aí esteja virado.

4.09.2004

Nova Iorque (IV)

Na discografia de Lou Reed o disco ao vivo tem sido uma constante, acompanhando ao longo dos anos as diversas fases da sua carreira. Lou Reed, para além de muitas outras coisas, é uma animal do palco – o que se advinha pela capa do seu melhor ‘live’: Rock n Roll Animal, e se confirma pelos títulos deste e do novíssimo Animal Serenade – que nunca se limita a interpretar as suas músicas, indo sempre mais além, ao recompô-las no momento.
Entrados em pleno no interminável pós-modernismo, é um alívio falar de Lou Reed. Não há que estar à procura das influências, nem das ascendências, nem dos rótulos ou das piscadelas de olho, porque, pura e simplesmente, Lou Reed é essencial na História do rock.
Essencial porque fundador, original, inclassificável e irrepetível. Está antes de tudo o resto, mesmo daqueles que o antecederam, e prossegue depois do que vai acontecendo, aparecendo e marcando a agenda. Muitas das suas músicas estão para o rock, como os standards dos Gershwin ou Cole Porter estão para o Great American Songbook. Ele é a melhor definição e o mais perfeito exemplo do rock que podem ser dados a um marciano que aqui aterre – a força da guitarra eléctrica lado a lado com a poesia. Um vírus que se apanha na adolescência e se carrega toda a vida. Uma doença com a qual nos habituamos a viver. Ou a salvação.

One fine mornin’, she puts on a new york station
And she couldn’t believe what she heard at all
She started dancin’ to that fine-fine-fine-fine music
Ooohhh, her life was saved by rock ’n’ roll

4.08.2004

Preocupação com a taxa de natalidade
O carro português típico ao fim-de-semana: à frente, um homem (mal disposto) ao lado de uma ‘cobarda’. Atrás, duas velhas.

4.06.2004

Nova Iorque (III)

Quartos grandes, camas grandes, prédios grandes, lojas grandes, megastores, carros grandes, milhares de WARNINGS – para não me queimar, para não escorregar, para esperar, para não tropeçar, para não me entalar. Pessoas enormes a comer doses brutais – uma sanduíche com fiambre suficiente para abastecer o meu frigorifico por uma semana inteira; coca-colas servidas em baldes - o mais pequeno de meio litro - e engolidas de um só golo; gelados de dez bolas, das quais se comem cinco, três vão para o chão e duas pingam para as mãos; a big one? a large one?. Nos fins de tarde, montes de sacos do lixo na rua, à porta dos prédios, que tornam os passeios mais difíceis de percorrer do que Rua de Santa Marta por um associado da ACAPO; homens e mulheres, pretos e brancos, com ou sem borbulhas, de boné com pala para a frente ou para trás, calças à dread (muito largas e descaídas até meio do rabo. A fazer um fole nas canelas) ou shorts, a comer e a beber compulsivamente, incansavelmente, a inchar e a engordar, a arfar, até que um AVC ou um ataque cardíaco os faça parar. A brilliant lawyer with a brilliant career and a beautiful wife smokes a large cigar with his fucking brains loaded with Red Bull. Ténis complicados de tão artilhados. Ou simples e feios, maioritariamente brancos, mas sempre grandes. Comida a toda a hora. 24 Horas a servir sopas e saladas vendidas a peso em caixas de plástico onde não cabe nada que não seja muito. Bilions and bilions sold. Canos de esgoto a abarrotar de restos, que circulam e renovam-se a cada segundo, de cima para baixo da terra.
Perguntas difíceis de resposta rebuscada (ii): (na televisão, o Ministro Carlos Tavares visita qualquer coisa na Galp) Quando vês o Carlos Tavares, pensas em quem? Num Figo de cabelos brancos (mas com capital para investir).

4.05.2004

tudo se transforma (nem sempre para pior)

Gang of Four, Human League, A Certain Ratio, Chicks on Speed, na música 4 (matinee) um tom de voz que faz lembrar os Alphaville (Forever Young é não só um dos meus discos favoritos, como o primeiro que comprei), numa outra uns acordes que remetem para Paintbox (Pink Floyd de Syd Barrett). Experimentem ouvir Franz Ferdinand seguido de In The Beginning There Was Rhythm (uma das melhores compilações temáticas de sempre. Da Soul Jazz, claro) e verão que tudo faz sentido.
Na era dos cds à venda no supermercado, dos mp3, napsters e demais descargas da internet, pegar no que outros fizeram e criar por cima é quase uma inevitabilidade. É que, assim de repente, não me lembro de nada verdadeiramente novo desde o Bristol Sound dos Portishead e Massive Attack, o que, de forma alguma, significa que não tenham sido feitos grandes discos. Este é um deles.



p.s.: O mesmo não se diga dos (ou melhor, das) Sissor Sisters. Uma valente merda, inexplicavelmente promovida por gente com responsabilidade perante as massas. Francisco, estás intimado a arranjar um comprador em segunda mão (e é mesmo em segunda, que eu só ouvi uma primeira) para o meu exemplar.



Perguntas difíceis de resposta ponderada: Uma razão para ter esperança no futuro do país? O Coliseu cheio para ver os Kraftwerk no dia em que fizeram a primeira página de um jornal respeitável.


Perguntas fáceis de resposta (quase) instantânea: Quando pensas no prime time da TVI, pensas em quê? Numa mulher ordinária a falar alto – Para além disso? Em móveis de pinho com um tricot branco em cima.



4.03.2004

Man of good fortune, man of poor beginnings (ou enquanto o meu mundo for com é...)
Dizem que Saramago tem contribuído muito para ‘elevar bem alto’ o nome de Portugal. É falso.
Saramago é uma figura desagradável. Zangado com o mundo e com a vida, Saramago destila desprezo por Portugal, país que sistematicamente achincalha de forma pedante e pretensiosa. Ao contrário de muitos comunistas, é um cínico que finge, cada vez pior, cada vez menos, que se interessa pelo próximo, quando, na verdade, se está perfeitamente a borrifar para ele.
Saramago ataca os governos e ‘o poder económico’, culpando-os pelo desemprego. Mas, se Saramago mandasse, no mundo do Saramago, o desemprego seria muito, mas mesmo muito, maior. Primeiro, porque não haveriam empresas; segundo, porque os empregos públicos, os únicos que existiriam, seriam distribuídos pelas pessoas que alinham com os Saramagos deste mundo. Cada vez menos, felizmente.
Saramago diz que somos escravos do consumo. Mas se Saramago mandasse, no mundo do Saramago, nós seríamos escravos dos seus caprichos. Não consumiríamos mais nada se não o que ele permitisse. E o que é que ele permitiria que consumíssemos se considera ser quase tudo uma ‘merda’?
Saramago diz que a única coisa que identifica as pessoas é o cartão de crédito. Mas se Saramago mandasse, no mundo do Saramago, eu não teria, nem quereria ter, cartão de crédito. Eu não quereria ser identificado pelo dito cartão, porque eu não quereria ser preso por não pensar da mesma maneira que Saramago.
Não sei se Saramago incitou aos votos em branco, mas, se o fez, é-me totalmente indiferente. Como é óbvio, ninguém irá segui-lo. A única coisa em que admito seguir Saramago, é na forma despodoradamente livre como exprime as suas opiniões. Tal como ele se sente no direito em incomodar-se com a democracia, a propriedade (dos outros), a liberdade de escolha, o voto rosa, laranja, ou de outra cor, e se sente no direito de dizê-lo a quem o quiser ouvir, eu sinto-me no direito de incomodar-me com as entrevistas que ele dá e as aparições que faz, e a escrevê-lo para quem me quiser ler.
Saramago tenta ter uma postura de aristocrata decadente, desiludido com o caminho que o mundo segue. Mas a arrogância que ostenta é bera e de baixa extracção social, como a de alguns dos velhos analfabetos criados pelo salazarismo que, pelas ruas de Lisboa, resmungam para os cães e para os carros.
Não quero saber dos livros (que nunca li), nem das vendas (para as quais nunca contribui), nem do Nobel, nem dos cabelos brancos. Enquanto o meu mundo for como é, tanto Saramago como eu poderemos dizer o que pensamos.
E, por isso, digo: Não tenho qualquer orgulho em que Saramago seja português, mas, ao contrário de Saramago, ainda tenho algum em ser português.

4.02.2004

Nova Iorque (II)

Em meados dos anos 70 surgiu na baixa de Manhattan um grupo chamado Television, e com ele nasceu o punk épico de Marquee Moon, cujo som das guitarras veio influenciar dos Pavement aos Strokes, passando pelo Lou Reed de New York e Magic and Loss.
Em Março de 2004, os Television apresentam-se gordos, carecas e de camisa aos quadrados, e Tom Verlain está rouco e cansado. No Irving Plaza, situado no coração da downtown nova iorquina, mesmo ao pé do Bowery e St. Marks Place, onde antes nasceu e desenvolveu-se a mais criativa ‘cena’ punk, não só não se pode fumar (cigarros, sequer), como é preciso fazer fila, mostrar o b.i. e receber uma pulseira com a inscrição ‘over 21’, para beber umas cervejas.
Definitivamente, o mundo está perigoso.


Nem todas as galerias são em Chelsea, mas em mais nenhum sítio do mundo é possível ver no mesmo dia e no mesmo quarteirão, David Smith, Alighiero Boetti, Catherine Opie, Robert Longo, Patti Smith, Sol Le Witt, Donald Judd e Martin Honert, para só mencionar os que conheço. Num quadrado delimitado pelas ruas 21 e 26 e as avenidas 10 e 11, alternando com garagens, oficinas e terminais de camionetas e táxis, encontra-se exposto e à venda o que de melhor se cria do minimalismo à arte povera, do conceptualismo ao pós-modernismo, da pop arte às correntes ainda não etiquetadas. Nem todas as galerias são em Chelsea, mas se fossem o mundo não seria muito mais pobre.


Numa entrevista à NBC (Meet the Press), Richard Clarke, ex-conselheiro da Casa Branca para questões de contra-terrorismo, debita e exibe para uma audiência nacional que assiste informação classificada como ultra confidencial, incluindo briefings sobre a Al Qaeda que produziu para o gabinete de Bush e correspondência que este último lhe dirigiu enquanto ainda era membro do seu staff. Como argumento para tamanha divulgação de segredo de Estado, Clarke avança um: defender-se de um suposto ataque moral de que alega estar a ser alvo.
Os Estados Unidos da América podem ter muitos defeitos, mas a falta de liberdade não é seguramente um deles. Em qualquer ‘país amigo’ dos nossos polícias ideológicos, na melhor das hipóteses este senhor estaria preso, na hipótese mais provável estaria morto. Na América edita best-sellers.
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