4.13.2004

Nova Iorque (V)
E se de repente os vizinhos do bairro decidissem conceber e produzir em conjunto para o ‘seu’ público o que de melhor sabem fazer. Vai daí – Greenwich Village é um mundo e o mundo é pequeno –, Laurie Anderson compõe a música, Lou Reed empresta mais algumas, Cindy Sherman desenha os cenários, Tara Subkoff as roupas, e a Stephen Petronio Company dá o corpo ao manifesto. Diz quem sabe, decide e marca os bilhetes, que é uma das mais extraordinárias companhias de dança da actualidade, e – digo eu, que li o programa com atenção – a que mais consistentemente segue as pisadas (ou será passadas) das companhias de Merce Cunningham, Bill T. Jones e Trisha Brown. A coisa promete. Duas obras – City of Twist e The Island of Misfit Toys – que supostamente retratam a Nova Iorque pós-11/09.
Uma ida ao bailado. Na plateia do Joyce Theater – uma sala off off Broadway, sita na esquina da 8ª Avenida com a Rua 19 – sentam-se alguns dos estereótipos acostumados a dizer presente aos eventos culturais da baixa nova-iorquina: a lésbica (que não chique) solitária coberta de trapos pretos e óculos rectangulares de massa grossa da mesma cor; o adolescente ruivo e parolo, de calças brancas, gravata e blaser azul ‘Carris’; famílias tradicionalmente maçadoras mas essencialmente procriadoras, de pai, mãe e mais de dois filhos; famílias maçadoramente tradicionais (marido e mulher); vários pares gay, em versão musculada (t-shirt de alças, tatoo e cabeça rapada), em versão sensível (camisa branca abotoada até cima e cabeça rapada), e em versão mista (camisa branca de manga curta, tatoo e cabeça rapada); assíduos do festival de cinema de TriBeCa; as amigas de trinta e qualquer coisa, em programa de sábado à noite (passou-se num sábado à noite), porque são muito independentes, giras e cheias de personalidade; resquícios da Wall Street dos anos oitenta e dos livros de Bret Easton Ellis; o cozinheiro que fala francês; o designer que fala finlandês; os amigos dos do palco, os amigos do palco e as amigas da coca.
À subida do pano, exactamente na hora marcada, todos reagem com silêncio. E em silencio assistem a um brilhante espectáculo difícil de descrever da tão abstracto, para, em seguida, desfazerem-se em aplausos, antes de um intervalo onde foi possível ouvir conversas sobre as huge and amazing instalations expostas na bienal do Whitney, insultos ao Bush e elogios ao discurso de Clinton numa convenção dos ‘burros’, por entre encontrões e copos de chardonay (um mais que duvidoso vinho californiano). Outros limitam-se a seguir o caminho da rua, local sempre acolhedor em Nova Iorque, onde, para mais, ainda é permitido fumar.
Sob a obra e as marcas deixadas por Giuliani, na downtown de Manhattan, a esquerda continua a ser quem mais ordena.
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