11.30.2004

Rocinha contra Vidigal

Sobra para o policial

o Rio de Janeiro continua violento e delicado (e, já agora, lindo)

Não sei se é coincidência, mas sempre que chego ao Rio deparo-me com uma porção de relatos nos jornais e na televisão do estado dantesco de violência a que a cidade chegou. Não há dia em que não haja notícias de duelos entre traficantes, cortes de estrada, arrastões em túneis, sabotagens da rede eléctrica, e um sem número de outras patifarias (agora, parece, há até actores portugueses sovados). Nos jornais e na televisão, pois na rua eu não vejo nada, ou melhor, vejo a mesma descontracção de sempre, uma joie de vivre que o carioca transpira e o forasteiro apanha ao primeiro contacto. Não quero com isto pôr em causa a veracidade dos relatos que me chegam, o Rio é mesmo uma cidade muito violenta – segundo os estudiosos destas coisas, ocupa o terceiro lugar do ranking logo a seguir a Joanesburgo e Bogotá. Mas o Rio é, simultaneamente, uma cidade muito delicada. É violenta por causa da violência. E é delicada por causa de tudo o resto.
Os cariocas têm consciência que a realidade que os envolve é feita desta dicotomia: violência e delicadeza. Já perceberam que não há desfavelamento possível, que não há batalha senão a do dia a dia, que as balas perdidas vão continuar a voar, que inocentes as irão apanhar, e que há muito o asfalto deixou de ser um lugar tranquilo. Mas sabem que estão no Rio, e isso afaga-lhes os sentidos e a alma. Cultivam - e bem - uma atitude inconformista, mas enquanto a solução (inexistente) não aparece, conformam-se, felizes, com o muito que têm.

angra

Ah pois (,) foi (-se)

11.17.2004

nada contra o cinema francês


Como poderias tu ter algo contra o cinema francês, Diogo.

11.16.2004

uma girafa martirizada

Numa esplanada, apesar do frio de rachar, duas raparigas (uma gira, outra nem por isso) conversam:
Gira - Já viste que o girafa também foi corrido?
Nem por isso – Coitado do gajo - com aquele pescoço e as orelhas de burro, devia ser um horror para os desgraçados dos camera men.
Gira – Burro? Para lá de burro. E as piadinhas no fim das notícias? Como se alguém lhe pedisse para ser mais ridículo do que aquilo que já era.
Nem por isso – E o facciosismo? E a mania de dramatizar situações banais? As carinhas – ora sorridentes, ora tristes -, a tentar sublinhar o tom da notícia.
Gira - Vais ver que vão endeusá-lo. Vai passar a ser um mártir, uma girafa martirizada.
Nem por isso - Uma girafa martirizada, era só isso que faltava a este país.
A Nem por isso não é nada burra. (A Gira também não)

os melhores filmes sobre cómicos são (de) uma enorme tristeza


unfuck

"Fuck you." Never understood that insult, because fucking someone is actually really pleasant. If we're trying to be mean, we should say "unfuck you!"
Lenny Bruce

11.14.2004

centro comercial

Ao aproximar-se de uma loja âncora, percebeu o quão fundo era possível descer

Para o pedro m.

11.13.2004

isto (não) é a fingir

Não quero que muitos dos poucos que por aqui passam fiquem a pensar que esta fase algo autoconfessional por que estou a passar é mesmo uma fase autoconfessional. Fingir é bom e eu gosto. E não é por acaso que dois dos meus poemas preferidos são Autopsicografia e, talvez ainda mais, este (que àquele tanto deve):

Dores

Às dores inventadas
Prefere as reais.
Doem muito menos
Ou então muito mais…


[Alexandre O’Neill, No Reino da Dinamarca, 1958]

one way is rome and the other way is mecca

Entre The Greek Song e Oh What a World, continuo a hesitar em escolher a melhor (melhor, a de que mais gosto). Aliás, na minha vida, estas as hesitações têm sido uma constante. Algumas delas bem mais angustiantes do que aquela.

11.10.2004

easy come

Com o aproximar da data limite para o pagamento do IVA, lembro-me das primeiras linhas de Money, um poema de Philip Larkin, na tradução para português que dele foi feita por Rui Carvalho Homem:

Cada três meses, talvez, o dinheiro censura-me:
“Porque me deixas aqui sem me dar uso?
Sou tudo o que nunca tiveste em bens e sexo.
Ainda os podias gozar se passasses uns cheques.”


Lembro-me do poema, mas numa perspectiva oposta àquela que nele é dada na primeira pessoa. Não é o dinheiro que me censura por eu não o gastar, sou eu que me auto censuro por não conseguir deixar de fazê-lo. Nesta história - na minha história - eu sou (com ligeiras adaptações) um dos "outros", e não aquele que narra:

Olho então para os outros, vendo o que fazem com o deles:
Não o guardam no colchão, com toda a certeza.
Já vão na segunda casa mulher e carro:
Que dinheiro tem algo a ver com a vida fica claro


O que depois se segue é universal e encaixa bem em qualquer um, mesmo naqueles que estão convencidos do contrário:

- De facto, têm muito em comum, se virmos bem:
Não se pode adiar para a reforma o ser-se jovem;
E pondo a queca no banco, o dinheiro a poupar
Só compra um último serviço: que nos venham barbear.

Escuto o canto do dinheiro. É como contemplar,
Do alto de amplas janelas, uma vila de interior:
Os casebres, o canal, a barroca e doida igreja
Ao sol do fim da tarde. É uma intensa tristeza.


E tem já muito pouco a ver com dinheiro.

[Philip Larkin, Dinheiro, in Janelas Altas, Cotovia, 2004]
A versão original pode ser lida aqui.

e quando o Raul Solnado faltar?

A propósito dos obituários de Arafat que por esta altura já vão sendo alinhavados – os quais, como era de esperar, se limitam a realçar as qualidades do homem e a importância do político, esquecendo as proezas do terrorista – recordo o quanto os portugueses são generosos com o próximo no instante seguinte ao da sua morte.
Por cá, aos políticos ou aos cidadãos vagamente politizados que desaparecem, é reconhecido “o passado antifascista”, “o papel (qual papel?!) na luta pela liberdade” ou “os inestimáveis serviços prestados à implementação da democracia”, mesmo que o único facto que vagamente possa ser invocado a esse propósito seja uma discreta presença numa qualquer manifestação de apoio a Humberto Delgado. Ao vê-los morrer, até parece que todos estiveram presos, exilados, ou foram perseguidos e torturados. (E se calhar foram, e se calhar foram). Aos “artistas”, ou gente do “meio artístico”, é reconhecido o abundante talento, “a contribuição para a evolução”, mas, acima de tudo, são reconhecidas as imensas qualidades humanas – “Foi um grande artista, mas, mais do que isso, foi um grande homem”. Ao vê-los morrer, até parece que isto é um país de grandes artistas e de grandes homens. (E se calhar até é, e se calhar até é).
Com tamanha comiseração, não falta quem em Portugal se tenha especializado no célere elogio fúnebre e apareça sempre na pole position para ser o primeiro a prestar os pêsames em frente ao microfone. Quando o defunto é alguém da política, Mário Soares não costuma deixar-se antecipar, e com ele é garantida a recorrente lenga-lenga do passado de luta contra a ditadura. Já quando o falecido é artista, seja ele da canção, do palco, da televisão, rádio ou da cassete pirata, o primeiro a falar aos jornalistas é, invariavelmente, Raul Solnado. Solnado sofre genuinamente com cada uma destas baixas. Solnado quase chora. Solnado chega mesmo a chorar. Solnado, muitas vezes, chora. Solnado, de voz embargada, começa por lembrar a arte do artista, por sublinhar a sua singularidade, por exaltar o seu génio, e nunca, por nunca, se esquece de assinalar que, naquela hora, “mais do que um grande artista, perdeu-se um grande homem”. Solnado sabe que há vezes em que nada mais há a dizer, tal como sabe que há outras em que isso é tudo aquilo que deve ser dito.

11.09.2004

muro (de uma lamentação)

É meio da noite, acabei de ver o Goodbye Lenin, e estou triste como o caraças. Não é por causa do filme, nem quero o muro de volta, nem sequer sei quem é o caraças para poder dizer que estou triste como ele. Não. É um outro filme que me põe assim, um filme mais longo (espera-se) e que terá por certo novos acontecimentos.


o estado da medicina francesa

Arafat sofria de uma "séria" doença, mas eles não descobriram qual era. Arafat morreu há uns dias, mas eles ainda não se aperceberam disso. Nos últimos cinquenta anos, a medicina francesa não tem parado de avançar. Para trás.

11.08.2004

eles mentem

Eles perdem. Eles mentem, eles ganham. Eles mentem, eles não mentem. Eles mentem, eles continuam a mentir. Eles não mentem, eles perdem. Eles ganham, eles ganham outra vez. Eles não ganham, eles também não mentem. Eles perdem sempre. Eles ganham sempre, mesmo que sempre percam. Eles, quem são eles? Eles, eles mentem? Será que mentem? Será que perdem? Ganham? Eles, ou mentem ou não mentem, ou ganham ou não ganham, ou mentem e perdem, ou mentem e ganham, ou ganham e perdem, ou mentem e não mentem, se mentem é porque mentem, se não mentem é porque não mentem, e ganham e perdem e mentem e ganham e não mentem e não perdem, e eles merdem, e eles pentem, e eles merdam, e eles ganhem, e eles manham, e sele metnem, e sele mahnag, e sele oãn medrep...
E Elas?
Há de tudo.

11.06.2004

penetrações

Constatou-se a existência de mil e
Trezentas e quinze fendas

Na observação de seiscentos e setenta
E cinco hímenes de tipo semilunar

Isoladas na sua maioria e apenas
Num caso interessando a fossa navicular

[in A Ferida Aberta, Jorge Sousa Braga]

Pois é, João Pedro, pois é...

e agora, para variar

Um não post sobre Before Sunset

poema(zinho). poemazão

entreparentes entreparêntesis
entreparêntesis entreparedes
entreparedes entreparentes

[Bloco, Alexandre O'Neill]

o Cunhal é um gajo coerente

Eu não.
Sou um
p
o
ç
o
de contradições

paranóia encalhada

Há quem veja no último filme de Wim Wenders o retrato de uma certa paranóia americana. Eu, a única coisa que consegui ver em Land of Plenty, foi um americano com uma enorme paranóia.
Wim Wenders… Hum… Wim Wenders…. Bom, que se lixe.

11.05.2004

tudo está bem quando começa bem

E enquanto não acaba

11.03.2004

Ohio

Tin soldiers and Nixon coming,
We're finally on our own.
This summer I hear the drumming,
Four dead in Ohio.

Gotta get down to it
Soldiers are cutting us down
Should have been done long ago.
What if you knew her
And found her dead on the ground
How can you run when you know?

Gotta get down to it
Soldiers are cutting us down
Should have been done long ago.
What if you knew her
And found her dead on the ground
How can you run when you know?

Tin soldiers and Nixon coming,
We're finally on our own.
This summer I hear the drumming,
Four dead in Ohio.

[Ohio, Crosby, Stills, Nash & Young]

Ou como o Ohio continua a ser cruel

legitimidade

Vários referendos sobre “questões fracturantes”
Câmara dos representantes
Senado
Presidência
Voto popular

11.02.2004

um post sobre as eleições americanas

Passo

11.01.2004

o país profundo (ii)


O genérico inicial dá o tom para aquilo que se segue: uma mulher (Carla) de joelhos esfrega o chão da pista de dança de um bordel, acompanhada pelo irritante som do chiar das luvas de borracha a roçar no soalho e do farfalhar do Kispo ordinário (redundância) que traz vestido.
A história é simples - um bar de alterne, negócio familiar instalado algures na província; um “empresário” (Nélson) que gere o negócio; um negócio mal acabado com aqueles para quem não tem pedalada (máfia russa); uma filha (Sónia) que vê o destino traçado por esse facto – e é previsível - porque Sónia está destinada a servir de moeda de troca, prometida que foi como puta a um mafioso de leste para safar uma qualquer dívida por pagar, e nós cedo sentimos que não existe outra saída. Mas nada disso diminui a força do filme. Antes pelo contrário: a caminhada inexorável das personagens para a desgraça final – da qual nós – espectadores - logo nos apercebemos, e elas – personagens –, a pouco e pouco, impotentes, lá vão também enxergando - torna aquilo que poderia ser cómico – um povo reles, retratado no seu habitat imundo, com as suas maneiras obscenas e o seu linguajar rasca – num fado resignado que muito nos diz.
Os actores vão quase todos muito bem. Leonor Batarda (Carla), Rita Blanco (Celeste), José Raposo (uma personagem cujo nome me esqueci mas que merecia mais tempo). Fernando Luís (Nélson), no papel de um chulo manhoso, sobressai. As suas tiradas pimbo-lapidares são um must - do melhor que há nos diálogos fragmentados, sobrepostos e por vezes imperceptíveis (propositadamente, calculo). Há uma cena (que, aliás, faz parte da trailler) onde Fernando Luís, com a cara pintada de palhaço, reage ao comentário de alguém que diz “a gaja é boa”, com a frase “a gaja, não - A gaja é minha filha” – dita com uma expressão meio gingona, meio conformada, que define num instante a sua personagem: tristíssima - como só os palhaços conseguem ser.
Estilística e plasticamente também gostei muito do filme: cores carregadas; ambiente sórdido e claustrofóbico; insistência nos grandes planos (é um filme feito de grandes planos) - de caras, cabelos, coxas e cus - que vão aumentando à medida que o filme avança, acabando por quase engolir os actores. E pouca luz, porque a noite é mesmo escura. Depois, uma banda-sonora de fundo com aquilo que de mais institucional há nos nossos bas-fonds: Ágata, Romana, Tony Carreira e quejandos. Ingredientes bem cozinhados numa trama dramática com bom ritmo.
É um excelente filme. Apesar de não ser um assíduo espectador de fitas portuguesas e não ter, por isso, grandes termos de comparação, arrisco-me a considerá-lo um dos melhores filmes portugueses. E mais, um caminho para o cinema luso. No momento em que a grande maioria das nossas cabeças pensantes considera que o país se afunda inevitável e tristemente, e em que outros acham que, apesar de tudo, a coisa ainda se vai aguentando enquanto não chega o grande afundanço que vai seguir-se, putedo, incesto, adultério e sacanice no Portugal profundo são uma boa alternativa de script a tudo aquilo que, entretanto, se vai passando no outro país profundo.

o resultado ideal?

Com a direita que vamos tendo, não há resultados ideais possíveis. Eu, pelo menos, sinto-me órfão: incapaz, por uma questão de pele, de conceder à esquerda (ainda que seja uma esquerda muito pouco de esquerda), e cansado de andar a defender uma gente que, dia sim, dia não, me envergonha.
Em qualquer caso, o João Miranda, no Blasfémias, dá uma ideia daquele que poderia ser o menos mau resultado das eleições americanas. E para cá - onde a alternativa à direita que envergonha é a direita envergonhada -, não se arranja nada parecido?

se um Ferrara não incomoda muita gente…

Arrisco uma ida ao doc.palestina.lisboa, apenas mas não só, para ver um documentário sobre Abel Ferrara (Abel Ferrara: not guilty). O filme, sem ser nada do outro mundo, vê-se com gosto. Ferrara é uma personagem estimulante: grita, canta, dança, gesticula, mete-se com quem passa na rua e, pelo meio, lá vai fazendo algumas observações inteligentes e humoradas. Uma força da natureza. À medida que o filme vai passando, confirmo aquilo que já antes me havia chamado a atenção: Abel Ferrara é fisicamente muito parecido com Augusto M. Seabra (para quem eu mando um grande abraço) - o maior Ferrariano português que conheço e o primeiro a divulgar aquele autor cá no burgo.
É uma coincidência sem importância. Mas é uma daquelas que me apraz registar.

p.s. Seabra, se pudesse votar nas eleições americanas, votaria contra Bush. E Ferrara? Em quem é que votará? (Bom, parece-me que aqui também não existem grandes diferenças)

e se todos fossem atrasados mentais? Não teriam todos um atraso mental?

Tenho algum interesse em ver Super Size Me – um “documentário” a la Michael Moore sobre os malefícios do consumo de McDonald’s, dirigido daquela impagável forma "Anti-Establishment, starring me" em que o gordo do Michigam se especializou. Parece que é bastante divertido e não demora muito tempo. Estou interessado em ver, mas não contem comigo para alimentar campanhas anti-McDonald’s. Se os americanos são responsáveis por grande parte da alegria deste mundo, os hamburguers McDonald’s são responsáveis por grande parte da alegria dos estômagos deste mundo. O que seria do mísero orçamento dos interrailers sem o estabelecimento? O que seria dos milhões de putos anafados e malcriados, urbanos ou suburbanos, e das respectivas famílias, sem o estabelecimento? O que seria de mim, única e exclusivamente em dias de ressaca, sem o estabelecimento.
É americano e a comida que serve faz mal quando ingerida em excesso? Parabéns. E cozido à portuguesa todos os dias? E alface ao natural todos os dias? E pirâmides de gambas? E mesas decoradas com smarties e garrafas de seven up?

nunca mais é quarta

Uma das melhores coisas das eleições americanas é deixarem de ser assunto no dia seguinte.

As tatuagens de Asia Argento (iv)

ANNA: "The last one I got, and maybe it's the only one I got for a reason. It's my sister's name (the deceased Anna - who Scarlet Diva is dedicated to) on my ribs. Because I remembered this line by Blixa Bargeld: "I don't know who cut you off my ribs" - as of Eve for Adam. It looks like a jail tatoo, something very dirty."
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