4.30.2004

o que é feito de? As góticas

Sempre gostei de góticas. Sei que é uma questão de mau gosto, mas há matérias em que o meu gosto é demasiado vasto e variado para poder ser apenas bom.
Enquanto ouvia The Happy Goth do último Divine Comedy, lembrei-me delas. Lembrei-me do tempo, já distante, em que frequentei um infecto centro comercial na Almirante Reis (no qual ainda hoje se vendem bons discos em segunda-mão) onde pela primeira vez as vi. Era o tempo em que elas andavam por aí. No fundo do vão de escadas de um prédio por acabar, lá estavam elas encostadas à montra da loja de tatuagens, sempre de beata entre os dedos nos quais se digladiavam anéis com caveiras e cruzes célticas. As várias camadas em diferentes texturas de preto tornavam impossível perceber onde acabava uma roupa e começava a outra. Mas nem tudo estava tapado, e assim podia ver-se uma pele muito, muito, branca, sobre a qual escorriam compridos uns cabelos muito, muito, pretos, até aos decotes muito, muito, generosos, no meio dos quais despontavam dois peitos muito, muito, apertados. Depois, eram os piercings numa altura em que ninguém usava piercing, os olhos carregados de graxa e de sono, o ar triste mas ameaçador de quem queria fazer um mal que não era mau, e a minha incapacidade de com elas falar. Tímido, avesso ao cheiro da cola, sem LPs dos Bauhaus ou Sisters of Mercy para trocar, como conseguiria eu meter conversa. Às góticas com pulseiras de pregos em vez de relógios, nem as horas dava para pedir.
Malditas góticas, pensava eu quando por elas passava. Malditas góticas que me punham as hormonas aos saltos. Maldita evolução que veio dar cabo delas.
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