4.19.2004

in pursuit of happiness


A grandiloquência acima de tudo. Os complexos arranjos barrocos. As letras ultra românticas onde não falta, a espaços, o comentário social sarcástico. O coração aberto, por vezes apaixonado, noutras dilacerado, mas ainda e sempre apaixonado, que transforma os mais banais fait-divers em dramas de dimensões épicas. A ingenuidade. As cordas que marcam o ritmo, os metais que sublinham a melodia e a voz de barítono que emerge acima de tudo o resto. A literacia declarada e declamada, nunca pedante, onde são convocados Scott Fitzgerald, Oscar Wilde, Dickens e outros tantos clássicos. Porque também clássica e, para mais, obsessiva é vontade em imitar e superar o génio de Scott Walker, ao ponto de parecer que é Walker aquele que na realidade é, se não em corpo, pelo menos em espírito: Neil Hannon de seu nome, Divine Comedy a sua marca.
No último disco – Absent Friends – Hannon dá um passo atrás, o que equivale a dizer que dá um passo adiante, em direcção ao seu passado e aos seus melhores discos:
Liberation, Promenade, A Short Album About Love. Ou, por outras palavras, a teatralidade musical muita acima de todas as Broadways e West Ends deste mundo e dos demais; a nostalgia de umas férias de infância nas quais, por um momento que fosse, se teve a ousadia de ser infeliz; e o perfeito disco de cabeceira ou da cabeceira colocada ao lado da cama onde se deitou aquela que com ele em tempos foi conquistada.
Não há que enganar nem quem enganar.
No regresso às origens que é Absent Friends há coisas muito melhores do que outras. (Das outras não me apetece falar). Da melhor sim. Para mim que sou suspeito (no que respeita a Divine Comedy, entenda-se), é sem dúvida Our Mutual Friend, uma canção onde Hannon relata o engate de uma noite que acabou mal. Só que, com Hannon, um engate nunca se fica só por uma noite, mesmo que de facto apenas e só essa noite tenha durado. Hannon é um romântico, incapaz de esquecer no dia seguinte. Hannon apaixona-se mesmo que tenha sido ‘uma coisa sem importância’. Hannon sofre mesmo que só tenha acontecido por estar(em) com os copos. E, porque se apaixona e com isso sofre, Hannon escreve e compõe com tamanha arte que torna uma noite para tantos corriqueira numa história de amor impossível. Para si e para quem a ouvir.
Neil Hannon é único e é assim que o queremos. Se fosse Scott Walker não seria Neil Hannon e, não o sendo, como é óbvio, nunca teria feito os discos que fez, sem os quais nós que os temos, ouvimos e sem eles não passamos, seríamos imensamente infelizes. Ou quiçá mais felizes. Mas, em qualquer caso, mais tristes.

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