7.23.2004

Liberal de esquerda a fugir para o libertário

(via Moleskine)

Só porque acho que não deve haver B.I.; que algumas drogas (charros) poderão ser toleradas; que nem todo o serviço militar deve ser voluntário; que não devem existir barreiras ao comércio internacional (para ver se posso começar a mandar vir da amazon.us sem ter que pagar a merda das taxas); que os impostos devem descer mas com calma; que a segurança social não deve ser privatizada; e que, de forma alguma, deve haver interferência do estado na vida sexual dos adultos (não abrange casamento homo que está muito para além da vida sexual), ou censura estatal dos media (diferente de regulamentação prévia, censura editorial ou cesura do público consumidor).

Não há dúvida, bomba. Com perguntas mal feitas, as respostas não podem estar certas


nem por cima das barbas do poeta Alegre

[…] Os Pavement são a única banda que não tenta enganar os desatentos. A melhor música de sempre, Range Life, do álbum Crooked Rain, não deixa passar nada em claro; atentem na letra: […]
(bold meu)

Considerar Range Life a melhor música de sempre e – não foi dito mas, por maioria de razão, deduz-se – a melhor música dos Pavement?
Ora que porra! Não podia estar mais em desacordo.
A melhor dos Pavement é grave architecture (aqueles primeiros acordes; a forma como Malkmus diz come on in antes da entrada do baixo). Ou antes, a melhor música dos Pavement é grave architecture quando ouvida em sequência ininterrupta com at & t, que no disco (é Wowee Zoewee! - não é preciso perguntar mais) imediatamente se lhe segue.
Não é a melhor música do mundo, mas sendo a melhor dos Pavement é também, em muitos dias, a melhor do mundo.


p.s. A propósito das eleições socialistas, João Soares acaba de dizer algumas enormidades na televisão, como seja que Mandela defendia o princípio de uma pessoa = um voto. Mas, porquê Mandela? É o único a defender isso? Foi o primeiro a fazê-lo? É militante de base? Teria convencido Tó Zé a arriscar ser feliz? Qual é a ideia de Soares em trazer Mandela para o meio de uma conversa sobre candidaturas à liderança do PS?
Só pode estar a brincar com o pagode

7.22.2004


 

Stupid I Am?

(Em estágio para assistir a Fahrenheit 9/11)
Admito sem qualquer problema que gostei bastante de Bowling for Columbine. Mais por razões formais – a montagem, o ritmo, a manipulação de uma panóplia de imagens já existentes e outras feitas à medida para a ocasião, a teia de contrastes urdida com todas elas (oh caraças! Que já pareço o Celso Cruzeiro a falar) – do que por razões substanciais, onde o “filme” acaba por, no momento final, estampar-se ao comprido. Moore começa por atacar o alvo certo: a venda indiscriminada de armas nos EUA. De forma engenhosa e talentosa, vai mostrando como é insustentável a facilidade com que qualquer um adquire uma arma de fogo, imputando a essa realidade, com alguma (muita) razão, a causa do tão elevado número de mortos a tiro na América. Porém, a certa altura, Michael Moore acaba por deitar por terra aquilo que de bom tinha feito, ao concluir que a facilidade existente na obtenção e posse de armas não é a única – nem sequer a principal – razão para os EUA liderarem destacadíssimos o ranking de mortos à lei da bala. Isto porque, tal como na América, também no Canadá existem milhões de armas à solta, mas aí, ao contrário do vizinho de baixo, as mortes por elas causadas são incomparavelmente em menor número.
Vai daí, o gordo Moore arranca de uma tese sustentável e, a meu ver, razoável – a de que a venda descontrolada de armas é o principal motivo para a escalada de homicídios –, para uma patética teoria da conspiração, segundo a qual a causa para tamanha mortandade está não só na facilidade em obter armas, como, principalmente, no clima de medo criado e alimentado pelos media e promovido e apoiado pelos grandes comerciantes de armamento e pelo governo republicano, agindo todos coligada e deliberadamente. Com isso, avança Moore, os media conseguem audiências, os negociantes um aumento nas vendas e o governo a justificação para as patifarias que pretende praticar. Porém, Moore insinua e afirma muito, mas não prova nada.
É certo que os media, sobretudo os que tem por alvo uma vasta audiência, privilegiam a má notícia – que vende melhor – em deterimento da normalidade. É certo que estes media, em podendo, tenderão a pintar de negro aquilo que é claro ou de mais negra a realidade que já o é. Mas isso tanto se passa nos EUA, como em todos os outros sítios do mundo onde exista liberdade de informação num mercado concorrencial. Acresce que, na mesma América onde os noticiários de algumas cadeias de televisão abrem sistematicamente com notícias de crimes cometidos por pretos, existe uma imensidão de outros canais que trata de uma não menor quantidade de assuntos sob as mais variadas abordagens e pontos de vista. Michael Moore, não percebe, ou finge não perceber, que a única forma (não utópica) de evitar o sensacionalismo e a manipulação que alguns media fazem da realidade, é fazendo aquilo contra o que Moore aparentemente vocifera: controlá-los, censurando-lhe os conteúdos.
O medo originado no alarmismo de alguns media, não é provocado por Bush, nem pelos republicanos. É provocado pelo incontornável mau uso da liberdade de informação, num mercado livre e concorrencial onde as pessoas podem livremente optar por aquilo que lhes é dado a ver. É esta liberdade que permite que haja abusos ou maus usos. Mas é também esta a liberdade que permite a todos escolher aquilo que querem ver ou, simplesmente, optar por não ver. A liberdade de ridicularizar o presidente – Bush, Clinton, qualquer um – como em nenhum outro lugar do planeta. A mesmíssima liberdade que permite a Michael Moore fazer os filmes que lhe apetece, expondo neles aquilo que lhe dá na gana e mostrando-os a quem os quiser gramar.
Esta é a liberdade com que – felizmente – temos (e têm - os americanos) que viver. Ao contrário do que se passa com a Second Amendment.
Não é o medo da televisão ou o medo sugerido pelas "televisões ao serviço do poder" que põe a América aos tiros. Moore sabe que não é por terem uma televisão livre, susceptível a abusos como em qualquer outro sítio, que os americanos se matam uns aos outros. Matam-se por que tem armas na mão. Ponto.       

7.21.2004

coligaquê?

Do episódio involuntariamente protagonizado por Teresa Caeiro, interessa-me apenas reter o essencial.
Santana, como já havia previsto Vasco Pulido Valente e muita outra boa gente, não irá perder nenhuma oportunidade para subalternizar Paulo Portas. Como Santana é mais forte, Portas terá que se ir aguentando, sendo certo que no dia em que reagir - e é provável que esse dia venha a ocorrer mais cedo do que aquilo que se espera (já que portas não é de levar e ficar, por muito tempo, calado) -, Santana não hesitará em tentar anulá-lo.
Não sei o que de facto aconteceu, nem acho muito importante saber de quem é a culpa desta trapalhada. Sei, porque Santana fez questão de mostrar, que a Portas não irá ser dada a mínima folga.
Para Santana, essa será a forma mais fácil de cativar o silenciosos mas imenso (?) PSD que (ainda) lhe é hostil.


Santana – um caso de persistência
À semelhança do que havia sucedido com os Ministros, o elenco de Secretários de Estado deste governo tem alguns nomes de pessoas competentes e com qualidade profissional vindas de fora do meio politico-partidário, com a vantagem de, desta vez, irem, em regra, tutelar as áreas que melhor conhecem.
São, pois, boas notícias.
Pena é que, num primeiro momento, estas acertadas escolhas acabem por ser ofuscadas por mais uma promessa não cumprida de Santana Lopes.
Santana havia prometido menos Secretários de Estado do que os existentes no anterior governo, mas, afinal, acabaram por ser mais.
Não interessa tanto saber se são pouco mais ou, sequer, se são demais (anyway, para mim são). O que interessa é que em duas semanas esta já é a terceira promessa que Santana faz e não cumpre. Tudo promessas gratuitas no sentido em que ninguém lhe pediu que as fizesse. Tudo sinais de que, por mais que uma pessoa se esforce para lhe dar o beneficio da dúvida (e eu tenho-o feito com bastante afinco), Santana parece ser incorrigível.
O que lhe vale é que, conforme bem notou Pacheco Pereira, pouca gente leva a sério aquilo que Santana diz e, como tal, o não cumprimento de promessas acaba por ser encarado apenas como mais um fait-divers. Até ao dia.


As melancias, como é normal, revelam uma enorme dificuldade em aprender
Atacar Luís Nobre Guedes pelo facto de ter sido advogado de empresas ligadas ao ambiente é, para além de uma saloiice, um tiro totalmente ao lado por parte daqueles que a ele se querem opor. Por esta lógica (que – é bom não esquecer – foi em tempos explorada quanto aos deputados pela criatura Manuel Monteiro, quando ainda sobre ela era exercida a influência do criador), nenhum advogado com um mínimo de carreira poderia assumir um cargo de governante.
É igualmente um disparate falar em incompatibilidade por Nobre Guedes ter pertencido aos órgãos de algumas dessas empresas. Quem tenha algum conhecimento do mundo real, sabe que é perfeitamente normal os advogados integrarem os órgãos sociais de sociedades suas clientes sem que, por desempenharem funções não executivas, tenham interesse directo nos seus negócios.
O importante a este respeito é saber se Luís Nobre Guedes tem, ou vai rapidamente passar a ter, ideias sobre o que fazer em matéria de ambiente. Ideias que, espero, dêem razões àqueles que agora o acusam de incompatível, para continuar a criticá-lo. Se assim for, poderá querer dizer que são boas ideias.

Eu lá tenho

Se Pet Soundscomo observa e bem o Francisco – é o protótipo do disco de verão, Little Honda, dos Yo La Tengo, é o seu equivalente em versão alternativa ou Velvet-Underground-vão-à-praia-e-gostam.
Ostentando o título de mais original banda de covers, ganho à custa dos imprevisíveis encores com que brindam os seus fãs no final dos concertos, estes nova-iorquinos que amontoam pranchas de surf na garagem editaram em 1997 um disco que faz jus à sua reputação.
A abrir, e á abrir, uma versão de Little Honda dos Beach Boys em estilo noise, muito acima da original. A fechar uma paródia ao We are the Champions (Queen), o que, em ano de euro-frustração, não podia cair melhor. Pelo meio, uma cover ociosa do genial clássico Motown de William DeVaughan: Be Thankful for What You Got.
Agradecido por aquilo que tenho? Com este disco na mão e qualquer coisa onde possa pô-lo a tocar, não hesito em dizer que sim.



p.s. O texto do Nuno Costa Santos sobre os esqueletos musicais que escondemos no armário dos anos 80 e as férias gregas que se aproximam, trouxeram-me à memória a vaga recordação de um dos meus europop hits favoritos. Cantado em inglês por um grego com um nome impronunciável e com um teledisco onde podiam ver-se algumas cenas passadas numa banheira. Não me lembro do título da música, nem sequer da música, mas sei que não tem nada a ver com aquela cujo refrão é: See, see, see, see my dream around; hdudypu-tu-tu__tu-tu_tu-tu_tu-tu-tu__tu-tu.

ideias simplistas

A ideia de que os políticos ou os altos funcionários públicos que exercem cargos de responsabilidade devem ganhar ordenados exemplares – i.e., ordenados baixos, quando comparados com os que são pagos no sector privado –, é algo que contém uma considerável dose de desprezo pela política e pela gestão da coisa pública.
Subjacente a ela, está uma outra ideia demagoga: a de que os políticos não fazem muito e, por isso, pouco merecem ganhar.


7.18.2004

nem Sá Carneiro ousou ir tão longe

A oposição em Portugal existe, está em grande forma, e é encarnada por José Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa.
Uma maioria, um governo e a oposição

7.16.2004

se...

Se é formado em engenharia, tem vastos conhecimentos em urbanismo e fez um doutoramento em semiótica  
Então está no bom caminho para ser Ministro da Saúde.
 
Se é engenheiro de telecomunicações, tem experiência na gestão de redes (que não de pesca) e desempenhou cargos importantes na área da distribuição de medicamentos
É um óptimo nome para o Ministério da Agricultura.
 
Se é mestre em medicina, não gosta de viajar e faz colecção de soldados de chumbo
Turismo é o seu destino
 
Se fez a guerra de África onde atingiu uma alta patente, é um reconhecido especialista na sindicância da cadeia alimentar e tem um monte no Alentejo
Ministro das obras públicas! Do que é que estava à espera?
  
Se estudou na URSS a relevância do átomo na molécula que o compõe, tirou um curso nocturno de tiro aos pratos e sabe cortar sushi
Acabará por ser convidado para carregar a pasta da Justiça
 
Se tem vinte anos, vontade de ter menos dois para poder servir o país e quer alistar-se na força aérea
Aliste-se! Será bem recebido
 
Se era o melhor a jogar ao guelas, aquele que, mesmo sem ser o dono da bola, entrava sempre nos jogos de futebol, e, no Carnaval, divertia-se a atirar ovos às janelas dos autocarros
É óbvio que teve uma infância feliz
 
Se já está farto de ler isto, quer ir ver as reacções dos outros blogs às escolhas de Santana para o governo e, por várias vezes, jurou a si próprio que ia passar menos tempo na Internet
É o nome ideal para Ministro da Administração dos Fundos de Pensões constituídos à margem do Estado Providência
 
Se acha que é Ministro dos Assuntos Parlamentares, acorda a meio da noite a sonhar com os difíceis dossiers das finanças e tem dificuldade em ir de férias 
Continue assim 

Se tem dores de dentes, ouve mal e vê tudo desfocado
Vá ao dentista, ao oftalmologista e ao otorrino, por esta ordem





o novo governo

Admito que fiquei positivamente surpreendido com os nomes do governo de Santana Lopes.
São, em geral, nomes de pessoas competentes, embora, algumas delas (mais do que o normal), tenham que provar a sua competência em áreas onde, até agora, não lhes são reconhecidos méritos.
Muitos deles, não precisam da carreira politica para nada, o que, nos dias que correm - onde cada vez é mais difícil motivar gente de fora dos aparelhos -, é muito bom registar.
São, na grande maioria, pessoas civilizadas, o que, não sendo condição indispensável para se ser governante, é, em qualquer caso, muito positivo.  
Por outro lado, houve o cuidado de entregar aos fiéis de sempre de Santana as pastas onde, fazendo algum sentido encaixá-los, menos estragos podem ser causados ao país.
Para já, Santana esteve melhor do que pior. Resta agora saber se, depois de ter conseguido convencer esta gente a dar cara, conseguirá mantê-la em funções e motivada para o exercício das mesmas.
E, é claro, saber quais serão as políticas que este governo vai seguir, o que, independentemente de tudo o resto, é o que mais interessa.
 
p.s.  A maior perplexidade que este elenco me provocou, foi a escolha (???) de Luís Nobre Guedes para o ambiente. O ambiente, ao contrário do que muitos gostam de fazer passar, é um tema caro à direita. Direi mesmo que é um tema da maior importância para os conservadores que, fazendo justiça ao título, consideram essencial a preservação do meio ambiente. Para mim, pelo menos, é uma área que interessa tratar bem.
Ora, Luís Nobre Guedes não tem, que se saiba, qualquer conhecimento nesta matéria, pelo que é legitimo desconfiar que, uma vez mais, a coligação considerou esta pasta pouco relevante e, logo, susceptível de ser usada para alimentar vaidades políticas.



E ainda há quem defenda a dissolução do Parlamento

Acabo de descobrir que Bart Simpson foi eleito deputado da nação. Dizem que é especialista em "assuntos educativos".

7.15.2004

Não só de futebol - nem sobretudo - deve alimentar-se o orgulho lusitano

Ouvir Cinema de Rodrigo Leão – um disco de uma beleza feérica – e, simultaneamente, percorrer com os olhos a obra de Julião Sarmento – essencial, aqui e em qualquer parte do mundo. 
Dois casos paradigmáticos daquilo que de melhor pode haver na portugalidade; ou quando as marcas mais profundas e sublimes do sentimento português se associam, num caldo cosmopolita, com as influências benignas vindas de múltiplas longitudes.

Mais sais de fruta

Com Another Green World, foram reeditados outros três dos primeiros discos de Brian Eno (daqueles em que ele canta) – Taking Tiger Moutain, Before and After Science e Here Come the Warm Jets. Neste último, que, cronologicamente, é o primeiro (de 1974), pode ser ouvido um dos mais altos momentos na história da guitarra eléctrica.
A música chama-se Baby’s on Fire e o solo é da responsabilidade de um senhor que, um ano antes, havia co-assinado com o mesmo Eno uma daquelas obras pioneiras, indispensável em qualquer prateleira, mas raras vezes posta a tocar: No Pussyfooting

  

7.14.2004

Emigrar?

Num post bem disposto, o Filipe traça o paralelismo entre a emigração de direita que se seguiu ao 25 de Abril e uma possível vaga migratória de esquerda na sequência da subida ao poder de Pedro Santana Lopes.

Com um vago conhecimento de causa, por fazer parte (embora ainda ao colo) da dita direita que emigrou a seguir ao 25 de Abril (precisamente para o Rio e para Madrid), parece-me que a situação actual é um bocadinho – e apenas um bocadinho – diferente da então vivida.

Naquela altura, circulavam mandatos de captura emitidos em branco, e as casa daqueles que não gritavam vivas à revolução eram cercadas sob a mira das G-3. É certo que, mais tarde, veio a saber-se que tudo não passou de uma encenação para dar algum picante à revolução; porém, naquele momento de alegria conturbada, dúvidas que houvessem sobre o perigo que se corria, eram legitimamente admissíveis.

Agora. Bem... Agora, temos um gajo com gel na cabelo que manda (pouco) nisto, perigoso a dar entrevista, mas totalmente inofensivo no que respeita àquilo que mais interessa. Todos, incluindo os que não gostam dele, poderão continuar a circular livremente; todos poderão expressar-se como bem entenderem; todos continuarão a ser livres de fazer aquilo que quiserem e conseguirem, e ninguém será privado dos seus bens e propriedades, cuja liberdade de possuir e usufruir permanecerá intacta.

Um grande abraço de boas-vindas a toda a rapaziada da Esplanada.

7.12.2004

Another Green World

Vejo por aí muita gente indignada com a decisão de Sampaio, gente furiosa com a saída de Durão, gente deprimida com a nomeação de Santana para um cargo que, consideram, não está à altura. Vejo pessoas tristes com o triste fim do euro e com a nova época do nosso futebol, na qual o Sporting, que nada contrata, promete nada ganhar. Ouço dizer que vêm aí tempos duros e sombrios, dias de luta e turbulência, que é urgente cerrar fileiras. E outros insistem que é preciso manter o cinto apertado, que o mundo está perigoso e a democracia cada vez mais frágil. Aperta o calor e com ele os fogos; avança o Verão e aumenta o cansaço de um ano de trabalho, frustrante e mal pago, no qual, em qualquer caso, pouco se produziu. Os dias que correm mal e as noites de insónia, na véspera de novos dias que, pelo pouco sono da noite anterior, voltarão a ser maus, antes de noites piores. A televisão que é uma merda e os jornais que são cada vez mais sensacionalistas. Onde é que estão os grandes estadistas do passado recente? A chatice que é aquele gajo que passa a vida a telefonar para tentar impingir uma coisa que não serve para nada, mas que – coitado – está só a tentar safar-se no meio disto. Os livros que o Professor atira para a sua frente, enquanto, sobre eles, debita um comentário mecânico, não sentido, mas com o sentido da cunha cumprida. O Herman há muito transformado numa gaja ordinária, ostensivamente orgulhosa daquilo que é. Uma justiça em que já quase ninguém acredita, mais a crise, política, económica, social, de valores, dos valores e dos costumes.

Porém

O tempo passa. Os meses avançam; os anos, mais lentamente, também. As coisas mudam e as pessoas com elas. Surirao outras personagens e outras oportunidades. Melhorar-se-á, piorar-se-á, ficar-se-á na mesma; mas, no fim do dia, restará sempre a possibilidade de continuar a ouvir Another Green World.

Este disco - o terceiro de Brian Eno -, agora reeditado em versão genuinamente resmaterizada, é – e estou a medir bem as palavras – uma obra-prima da pop. Da música pop e da pop arte. O cenário sónico de um futuro bucólico. Um daqueles discos que, passado o presente e futuro próximo, continuará para sempre a ser ouvido.









pode um filme resumir-se assim?

7.11.2004

quando crescer, quero descobrir que não cresci

Pode gostar-se muito de “Almost Famous”, mas só quem cresceu na ânsia permanente de ter mais um disco – aquele disco, porque o próximo é sempre o mais importante –; que fez da semanada uma forma de rendimento consignado à sua compra; que sonhou com açambarcamentos nocturnos em lojas de vinis desoladas; que, por mais honesto, foi ou ponderou ir à carteira dos pais “levantar” a nota de cem escudos para na discoteca mais próxima satisfazer a elementar necessidade; consegue, perante este filme, comover-se.

“Almost Famous” trata da infância, da adolescência e da descoberta de que estas podem durar muito para além dos brinquedos e muito para além da idade. Aquilo a que vulgarmente (e, no fim de contas, correctamente) se chama rock – um mundo imenso feito de tantas mais músicas –, não é mais do que o brinquedo que aqueles que vão deixar de ser pequenos descobrem que, quando crescerem, podem continuar a ter.

Descobrem, os que têm a sorte de descobrir, porque isto do rock não é para todos. Com os discos, não há meios-termos: ou se adoram obsessivamente, ou se tratam como uma torradeira, um micro-ondas, um telemóvel – objectos úteis, cuja função se limita a tornar a logística do dia a dia mais agradável.

Entre os disco-melómano-obsessivos estabelece-se uma fortíssima cumplicidade, capaz de superar todas as diferenças – políticas, ideológicas, sociais, filosóficas, religiosas, de carácter, de feitio, de tudo – porque tudo se torna secundário quando o assunto é a influência de Chuck Berry na Swinging London, as peripécias dos Pixies antes de alguém se dignar editá-los, a história por trás de Exile on Main Street ou a estadia de Iggy e Bowie em Berlim.

Um disco-melómano-obsessivo sabe reconhecer os seus pares sem precisar de conhecer a sua colecção de LPs. Bastam-lhe dois dedos de conversa sobre certa música ou meia dúzia de linhas sobre determinado disco, para perceber quem é o quê.

Estes quatro Quase Famosos – para quem Sandinista não é um guerrilheiro da Nicarágua, Blonde on Blonde é mais do que um filme do canal 18, e Tommy nada tem que ver com a griffe daquele gajo que cavalga na onda de Ralph Lauren – resolveram, em boa hora, presentear-nos com a escrita habitual sobre música, discos e tudo o que gira à sua volta.

Que sejam bem-vindos!

7.10.2004

o que é um Presidente?

A minha consideração e admiração por Jorge Sampaio – que já não eram pequenas – aumentaram significativamente ontem.

Não pelo sentido, em si, da decisão que tomou (embora esse seja idêntico ao que eu defendi), mas por na sua base ter residido, única e exclusivamente, o critério do interesse do país, ou a convicção pessoal daquilo que melhor prossegue esse interesse.

Jorge Sampaio decidiu contra o que a grande maioria da sua gente defendeu, e isso já lhe está a valer criticas, acusações, ataques e, até, calúnias, que, não tenho dúvidas, pessoalmente muito o magoam.

Jorge Sampaio decidiu contra o seu instinto político natural, comprometendo a compreensão de muitos daqueles que o elegeram e ficando negativa e definitivamente marcado perante uma grande parte deles.

Jorge Sampaio arriscou perder amigos e, quiçá, perdeu-os.

Apesar de todas as adversidades pessoais e políticas que decorrem da decisão que tomou, porque entendeu que era o melhor para o país, Jorge Sampaio não se coibiu em tomá-la.

Jorge Sampaio, em circunstâncias pessoais e políticas, para si, muito difíceis, mostrou uma enorme coragem ao obedecer àquilo que a sua consciência ditou como sendo o melhor para Portugal

Como é profunda a diferença entre Jorge Sampaio e Durão Barroso.


7.09.2004

os mortos e os nus

Pelas ruas de Lisboa é possível ver um cartaz do PCP onde um cadáver ainda fresco reclama por eleições.
Homem, mulher ou hermafrodita; inspirado, ou não, na Sigourney Weaver do Alien 3, em Ney Matogrosso enquanto jovem ou numa personagem dos filmes de D. W. Griffith; não restam dúvidas que aquela figura está morta e que o seu óbito não ocorreu há muito tempo.

Bastaram 5 minutos de Ana Gomes na SIC notícias e um quarto de hora de fórum TSF, para me tornar um descomplexado apoiante de Santana Lopes. A postura primária, arruaceira e vulgar que se começa a vislumbrar na esquerda saudosista, e o facto desta estar a assumir as rédeas da contestação a Santana, são boas notícias para a coligação.
Ao repetir os erros que cometeu nas eleições autárquicas de Lisboa (onde, apesar de tudo, até tinha obra para mostrar), pondo a nu os tiques e discursos revolucionários que só em momentos de acalmia são guardados na gaveta, esta esquerda irá, por um lado, ajudar a mobilizar os menos entusiastas da solução de direita que actualmente se perfila e, por outro, tornar as suas debilidades cada vez menos visíveis.

7.08.2004

havendo ou não eleições, a imagem que se segue passará a encabeçar este blog


Constatei que não sou capaz de escrever \«(.)(.)»/ <-- Este, consegui graças a um copy/paste, pois para escrevê-lo de raiz falta-me saber fazer o tracinho inclinado para a esquerda que corresponde ao músculo debaixo do braço direito. Tentei com o Alt Gr (muito usado nos textos em alemão), mas sem qualquer sucesso. Não vou desistir. Um dia hei-de aprender como se faz.
Neste momento, o blog que mais me interessa é o da Sara, que, para o meu gosto compulsivo, posta muito pouco.

7.07.2004

Há uns anos, bastava um táxi para levar o grupo parlamentar do PP à Assembleia; agora são precisos dois para ir em “comitiva” à audiência com o Presidente

Embora se comece a criar a ideia de que vai mesmo haver eleições antecipadas, eu continuo a apostar que não. Sampaio é um homem de bom-senso e, se o usar, acabará por optar por aquilo que, apesar de tudo, é melhor para o país.

Entretanto, sucedem-se os disparates nos partidos (aparentemente) mais interessados na nomeação rápida de um novo governo – PSD e PP. A entrevista de Santana Lopes, sem sequer avaliar o que lá foi dito, é de um atrevimento despropositado, e o supostamente “brilhante” papel que a embaixada do CDS entregou em Belém é das coisas mais incompetentes que tenho visto nos últimos tempos.

Numa tentativa chico-esperta de prender o Presidente às suas próprias palavras, algumas luminárias do PP puseram-se a ler os discursos de Sampaio e compilaram uma lista de situações perante as quais aquele consideraria a hipótese de dissolver a assembleia, concluindo, no fim, que nenhuma delas se verifica actualmente.

Ora, mesmo que o trabalho de casa tivesse sido bem feito - coisa que não sucedeu -, esta é uma fraca forma de argumentar, pois representa o abdicar de argumentos próprios, válidos pela sua consistência, em favor de argumentos doutrem, válidos apenas pela sua circunstancial coerência. Para piorar, chegou-se rapidamente à conclusão que o argumentário do CDS omitiu outras situações em que o Presidente consideraria igualmente a hipótese de eleições antecipadas e que, por acaso, até são passíveis de encaixar no momento actual. Deva-se tal omissão a pura e simples incompetência ou a uma manhosa conveniência, o certo é que foi suficiente para tornar supérfluo e, até, contraproducente, o referido documento, bem como a intervenção do CDS nesta história.

Santana e Portas, ao testarem Sampaio - alguém para quem um governo por eles encabeçado é muito difícil de engolir, quanto mais de nomear - com este tipo de provocações, estão a comportar-se como dois adolescentes na fase do armário. Só espero que, perante isso, o Presidente não perca a paciência, castigando-os com uma ida às urnas.


7.05.2004

Otto-Ferro-Durão-golo-gista

Com qualquer coisa de Ferro Rodrigues - a forma como este se assemelha a um tubérculo que cresceu dentro dum fato -, Otto Rehhagel foi eleito (por mim) o melhor treinador do euro. O alemão pôs a equipa grega a jogar de forma traiçoeira e tacticamente brilhante, tal e qual a ida de Durão para a Comissão, e tornou ainda mais deprimentes os dias que se seguem.

7.04.2004

um Euro de sonho

Está quase a acabar.
Chapéus? Há muitos; mas nunca tantos e tão absurdos, como os que por cá passaram no último mês, haviam antes sido vistos. É-me relativamente indiferente saber se vão, ou não, contribuir para a retoma; o que me interessa é que mostraram a milhões de portugueses que vivem com a cabeça enfiada no chão dos passeios, que há vida para além do seu triste quotidiano.
Durante o Euro, os portugueses ousaram descontrair-se e alegrar-se, e as meninas passaram a gostar de futebol da mesma maneira que o Barbas gosta das assembleias-gerais do Benfica. A nossa bandeira, tão feia como as bandeiras africanas, debaixo de um céu sempre azul e sobre o branco de Lisboa, tornou-se subitamente linda. As velhas deixaram de espreitar e resmungar à janela e saíram para a rua, e o Rossio deixou de ser uma réplica de Lourenço Marques para ser o coração da Europa. A TSF voltou a estar sintonizada para, de hora a hora, dar a ouvir, sobre o hino tocado ao fundo numa guitarra eléctrica, o relato dos golos feito por esse animal que é Jorge Perestrelo, e Gilberto Madail, porque teve o bom senso de primar pela ausência e porque – até parece mentira – alguma responsabilidade há-de ter tido na magistral organização da coisa, redimiu-se.
Este foi, também, o campeonato da redenção. De um longínquo dia em que, nas chegadas do aeroporto, um bigodes de muletas respondia na mesma moeda ao povo que, em fúria, o insultava, até aos dias em que um brasileiro, com o obrigatório bigode, pôs quase todos nós, com mais ou menos maneiras, a falar de Portugal com o orgulho com que um José Hermano Saraiva fala da sua história.
Houveram escoltas por terra, ar e mar. Houveram vénias em estádios cheios. Houve pouca pancada nas ruas e muitos abraços nas bancadas. Houve tristeza e houve, muito mais, felicidade – como na vida, mas ao contrário da maioria das vidas.
E, claro, houve futebol. Mas desse só falo mais tarde, porque agora vou para a bola, ajudar a transformar as bancadas da Luz numa gigantesca calçada portuguesa. Irregular, suja, desconfortável, única, nossa.

7.03.2004

Hoje não há futebol, amanhã há, e depois acabou

- O último disco de Rodrigo Leão, por onde passam Beth Gibbons, Sónia Tavares e Helena Noguerra a cantar um francês que, de tão languidamente sublime, é bem capaz de ressuscitar Serge Gainsbourg - Cinema ou In the Mood for Love OST Vol. II.;
- O primeiro dos Titãs (Titãs), muito anos 80, muito bom, mas, ainda assim, longe do seu opus maior que é Jesus não tem dentes no país dos Banguelas.
- Tim Booth (Bone) depois dos James;
- Erlend Øye Simon e Eirik Glambek Bøe Garfunkel, aka Kings of Convenience, com o acabado de sair Riot on an Empty Street;
- Na lista das compras há tempo demais, Horse and Fish de Vinicius Cantuária, que num blindfold test na The Wire de Junho mostrou ignorância imperdoável ao confessar nunca ter ouvido David Sylvian
- Mystic River para rever e rever e meter na cabeça de uma vez por todas que Clint Eastwood é um clássico sibilinamente a aproximar-se do nível de um Hawks;
- A melhor monografia de Julião Sarmento (das 5 que conheço) que cobre toda a sua obra, sobre a qual tentarei escrever em post autónomo.

Bens de consumo essencial - adquiridos no sítio do costume - para tornar menos dura a ressaca do euro cujo fim, em grande, se avizinha.

7.02.2004

saudades do Euro

Entre a inevitabilidade de perder a companhia habitual da Tânia Ribas de Oliveira (um nome maravilhoso que associo imediatamente à subida dos Carvalhos ou ao centro comercial Dallas), e a fatalidade de ser diariamente confrontado com a expressão PPD/PSD

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