7.11.2004

quando crescer, quero descobrir que não cresci

Pode gostar-se muito de “Almost Famous”, mas só quem cresceu na ânsia permanente de ter mais um disco – aquele disco, porque o próximo é sempre o mais importante –; que fez da semanada uma forma de rendimento consignado à sua compra; que sonhou com açambarcamentos nocturnos em lojas de vinis desoladas; que, por mais honesto, foi ou ponderou ir à carteira dos pais “levantar” a nota de cem escudos para na discoteca mais próxima satisfazer a elementar necessidade; consegue, perante este filme, comover-se.

“Almost Famous” trata da infância, da adolescência e da descoberta de que estas podem durar muito para além dos brinquedos e muito para além da idade. Aquilo a que vulgarmente (e, no fim de contas, correctamente) se chama rock – um mundo imenso feito de tantas mais músicas –, não é mais do que o brinquedo que aqueles que vão deixar de ser pequenos descobrem que, quando crescerem, podem continuar a ter.

Descobrem, os que têm a sorte de descobrir, porque isto do rock não é para todos. Com os discos, não há meios-termos: ou se adoram obsessivamente, ou se tratam como uma torradeira, um micro-ondas, um telemóvel – objectos úteis, cuja função se limita a tornar a logística do dia a dia mais agradável.

Entre os disco-melómano-obsessivos estabelece-se uma fortíssima cumplicidade, capaz de superar todas as diferenças – políticas, ideológicas, sociais, filosóficas, religiosas, de carácter, de feitio, de tudo – porque tudo se torna secundário quando o assunto é a influência de Chuck Berry na Swinging London, as peripécias dos Pixies antes de alguém se dignar editá-los, a história por trás de Exile on Main Street ou a estadia de Iggy e Bowie em Berlim.

Um disco-melómano-obsessivo sabe reconhecer os seus pares sem precisar de conhecer a sua colecção de LPs. Bastam-lhe dois dedos de conversa sobre certa música ou meia dúzia de linhas sobre determinado disco, para perceber quem é o quê.

Estes quatro Quase Famosos – para quem Sandinista não é um guerrilheiro da Nicarágua, Blonde on Blonde é mais do que um filme do canal 18, e Tommy nada tem que ver com a griffe daquele gajo que cavalga na onda de Ralph Lauren – resolveram, em boa hora, presentear-nos com a escrita habitual sobre música, discos e tudo o que gira à sua volta.

Que sejam bem-vindos!
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