8.31.2004

é a Política, estúpido!

Perante este episódio de carácter folclórico-provocador, colocavam-se duas hipóteses ao governo: ou privilegiava a vertente folclórica e ignorava o assunto. Ou acusava a provocação, que é uma provocação ao Estado e não a este especifico governo, e impedia serenamente a entrada do barco em águas portuguesas. Como entre as duas a minha indecisão balança, qualquer uma delas é, a meu ver, uma posição decente e respeitável.

A oposição tem barafustado, acusando o governo de ter tomado uma posição política ao impedir a entrada do barco em águas territoriais portuguesas. Não percebo qual é o drama nem onde é que está o escândalo. É óbvio que a decisão de impedir a entrada do barco é uma decisão política. Sustentada em argumentos jurídicos (discutíveis, como quase todos), mas política. É bom não esquecer que os governos servem, também, para tomar decisões políticas.

Política é também a vinda do barco a Portugal. Uma provocação política, perfeitamente legítima e admissível da parte daqueles que querem chamar a atenção para o assunto, à qual é igualmente legítimo e admissível responder politicamente.

Trata-se de política. Nada mais do que isso.

Os promotores da vinda do barco, não estão minimamente interessados em resolver os problemas concretos e imediatos de “mulheres em dificuldades numa hora difícil”, muito menos em promover “mesas redondas”, “palestras”, “sessões” e “grupos de trabalho”, como de forma imbecil se tem dito.

As mulheres, num caso como este, apenas servem como instrumento para a acção política, e só aqueles que não têm vergonha do ridículo podem dizer que a não atracagem de um qualquer barco é, num país onde se passa a vida a discutir "o aborto", impeditiva da realização de mesas redondas, conferências, sessões de esclarecimento ou o que quer que seja.

8.30.2004

Oh pá! Essa dos sms já deu o que tinha a dar

"A convocação de uma manifestação, via SMS, para protestar em Lisboa contra a decisão do Governo em proibir a entrada do chamado "barco do aborto" em Portugal criou uma situação pouco comum: eram quase tantos os jornalistas como os manifestantes. Ontem ao início da tarde, debaixo de um sol típico de Agosto, meia-dúzia de pessoas começou a juntar-se, pouco a pouco, frente ao ministério da Defesa, no Restelo. Meia hora depois, o número de manifestantes não passava dos dez ou onze. Ao mesmo tempo, os jornalistas já eram cinco, sem contar com os de um canal de televisão que, perante o cenário, optaram por ir embora. Ninguém sabia muito bem quem tinha convocado a manifestação - todos tinham recebido a mensagem via telemóvel. A dada altura, os presentes começaram a ter medo de serem filmados ou fotografados por serem um número ridículo. Uma das manifestantes dizia ter recebido uma mensagem que dava o protesto como adiado para terça ou quarta-feira, em frente à residência do primeiro-ministro."

8.27.2004

Pool


Mike Slack

para quem gosta de arte contemporânea

As fotografias de Jeff Wall, quando reproduzidas em dimensões diminutas, parecem, muitas vezes, banais. Algumas delas, se vistas a correr e fora do contexto onde devem ser expostas (museus e galerias), correm o risco de passar por restos de um rolo usado - fotografias falhadas sem direito a figurar no álbum. Mas, ao observá-las nas suas reais dimensões ou com olhar atento, crítico e educado, será possível constatar que existe algo de essencial por trás da sua aparente vulgaridade.
Jeff Wall prepara as suas fotografias como um Kubrick prepara cada take dos seus filmes: escolhe criteriosamente os locais, estuda a luz que sobre estes incide ao longo do dia, selecciona os figurantes, as roupas que usam, todos os objectos que vão ficar dentro da objectiva, encena tudo até ao mais ínfimo detalhe, chegando ao ponto de não raras vezes recorrer ao computador para, através de estudos prévios, afinar pormenores relacionados com a proporção, a dinâmica ou perspectiva nas imagens que pretende obter.
Se algumas das que mais gosto, como Coastal Motifs (indisponível na internet), fazem lembrar os quadros de Turner, e outras, como Holocaust Memorial in the Jewish Cemetery ou The Old Prison (igualmente indisponíveis), remetem para os grandes pintores naturalistas americanos, fotografias como Milk ou Overpass surgem como autênticos film stills de uma história sem princípio nem fim.

(Milk e Overpass)

Jeff Wall, atingido por influências que vão da pintura do século XIX a Malevich, passando pelo neo-realismo, tem construído uma obra que aborda temas como a violência, a solidão, as cidades e a vida como ela é, em géneros tão diferentes como a paisagem, o retrato ou as naturezas mortas. Uma obra nada cool, cheia de imagens pouco apelativas e emprenhada de uma melancolia que roça o deprimente, na qual demorei algum tempo a “entrar”.
Agora que consegui, bastaria a conversa via email entre Jeff Wall e Mike Figgis (realizador de Leaving Las Vegas), onde se fala de cinema, de pintura e de fotografia, de comercialismo versus experimentalismo, de métodos industriais versus artesanais, e de uma série de outras coisas interessantes, para tornar obrigatória a compra e leitura do último número da Contemporary.

8.26.2004

Nem gregos, nem romanos, muito menos gregos contra romanos

Nas finais da luta Greco-Romana

Found







Nada (de nada)

Aqui, não há nada. Ali, talvez haja qualquer coisa.

8.25.2004

Atenas, Bruxelas, Londres, Durban (Carnaxide)

3000m obstáculos, 1500m, 100m barreiras, 400m, salto com vara, Anderlecht 3 - Benfica 0, Crystal Palace 0 – 2 Chelsea, Africa do Sul 23 – 19 Austrália. (E ainda houve tempo para ouvir umas bojardas dos marretas nos donos da bola da SIC notícias)

8.24.2004

Em dias como o de hoje

Vem-me à memória Quinito e uma daquelas considerações bombásticas em que ele é tão fértil.
Há uns anos atrás, era Quinito treinador do V. Guimarães quando, após mais uma derrota para o campeonato que acabou por ditar o afastamento irremediável das competições europeias, respondeu aos jornalistas que lhe pediam contas, qualquer coisa como isto:
“Meus amigos, a Europa não me aquece nem me arrefece. Para quê ir lá, se acabamos por sair ao fim de dois jogos e com uma cabazada em cima!”

Os Jogos Olímpicos da era Pós-Moderna

Ao Francisco - desde já nomeado Pierre de Coubertin e Presidente da Comissão Instaladora dos Jogos Olímpicos da era pós-moderna - sugiro a iclusão de mais algumas provas em que nós – portugueses que não escolheram sê-lo - seremos imbatíveis:

- Buzinadelas. Individual e por equipas (Buzinão)

- Desdobramento de bilhetes de avião

- Decoração de interior em wc público

- Imobilismo em faixa esquerda de escada ou tapete rolante (com a variante de bloqueamento de portas em transportes públicos)

- Ingestão de meias-dose, mini-pratos e bicas

- Cânticos a favor ou contra Pinto da Costa em frente a reportagem de exteriores de televisão pública ou privada

- Arremesso de baliza para cima do próprio, seguido de morte ou lesão corporal grave

- Lavagem manual de carro ao Domingo, com subsequente arremesso de balde de água suja no passeio;

Para não falar em destruição de tectos falsos de balneário, fuga ao fisco (nas modalidades de 500 a 1000, 1000 a 100.000 e para cima de 100.000), entupimento de urgências hospitalares, murros em árbitro, ilusionismo e falso expectativismo.

8.23.2004

fasten seatbelts while seated

Berlim
Cairo
Chicago
Copenhaga
Londres
Paris
Roma
São Paulo
Sapporo
Xangai

Wallpaper Navigator .1

Tóquio
Sydney
São Francisco
Mumbai
Milão
Madrid
Ljubljana
Istambul
Cidade do México
Antuérpia

Wallpaper Navigator .2

8.22.2004

impossible is nothing



A maratona é a "prova rainha", os 1500m e 5000m são as provas tacticamente mais estimulantes, mas os 100m é a corrida mais espectacular, a que todos querem ver por ser aquela onde mais se assume o desafio aos limites humanos.
Francis Obikwelo - que só não ganhou porque foi "lento" a partir - fez-me reviver a excitação e a alegria vividas durante o Euro.
O verdadeiro oásis no meio da triste participação portuguesa.

o campeão do defeso

Enquanto via o Porto-Benfica (1-0), pus-me a pensar no quão brilhante foi a contratação de Seitaridis pelos dragões. Não tanto por ser um excelente jogador - melhor que Paulo Ferreira, despachado por n vezes mais -, mas pelo bem que o nome Seitaridis encaixa na pronúncia do norte: Çei_táríidis” – não podia soar melhor do que quando pronunciado à moda do Porto. Melhor do que os nomes de qualquer outro jogador grego. Melhor que “Vá_cinas” (Basinas), “Cárágouuuhníis” (Karagounis), “Brisas” (Vrysas) ou “Cáristeias” (Charisteas).
“Cei_táríidis”. “Bái Ceitáríidis!”. “Bota no Postiga, passa ó Dieigo”. “Tiró Quaresma, mete o Domingos, solta o Domingos n’árena, carágo!”. “Ceitáridíiis, poça! Sómos os má-i-ores”

Nada (neverending)

Aqui não há nada, mas ali talvez haja qualquer coisa

8.20.2004

difícil, difícil, é ser metrosexual

Em Portugal (e, provavelmente, em muitos outros sítios) existe o hábito de rotular certos comportamentos dos homens, que nada tem que ver com a sua orientação sexual, como comportamentos gays, afins, ou, no mínimo, pouco masculinos.
Se um homem usa um creme hidratante a seguir à praia, logo lhe dizem que “parece uma gaja”. Se é vegetariano, troçam dele dizendo-lhe que “homem que é homem come bifes (evitem a associação de ideias fácil). Se resolve ir ao solário para disfarçar o seu lastimável aspecto, perguntam-lhe “que mariquice é essa?”. Se gosta de ballet, qualificam-no como uma pessoa “especial”; se o ballet é moderno, como uma pessoa “muito especial”. E por aí fora.
Poucos homens (e mulheres), perante a revelação corriqueira de que um seu amigo adoptou uma prática ou um comportamento que foge ao padrão e aos cânones ainda (maioritariamente) vigentes para o género, conseguem evitar o comentário ou a pergunta insinuante, embora, na maioria das vezes, a rir e sem qualquer convicção daquilo que estão a insinuar. Dizem o que dizem, porque acham que é suposto dizê-lo. Instintivamente, sentem que devem manifestar, ainda que subtilmente, uma certa censura, sem, por um instante, parar para pensar no que de facto é ser homossexual.
Porém, se o mesmo ou outro homem que confessou ir ao solário, gostar de roupa, usar cremes enquanto dorme, apenas comer saladas do Magnólia e gostar de ballet, sobretudo contemporâneo, resolver sair do armário, dizendo-lhes que leva (ou apanha, se for do Porto) no cu, que é paneleiro (ou azeiteiro, se for do Porto) e que assim quer continuar a ser, provável é que a reacção seja bem diferente: ao invés da boca preconceituosa e levemente reaccionária, perguntar-lhe-ão “há é?”, e logo lhe dirão “bom … acho lindamente que assumas isso, só te fica bem e, para além do mais, demonstra uma grande coragem. Parabéns!”

8.19.2004

F 9/11

Sobre Fahrenheit 9/11, já tudo foi dito. Não há, pois, nada mais a dizer

8.18.2004

menos ais

As pessoas continuam espantadas e atarantadas. Queixam-se e lamentam-se por terem Santana a Primeiro. Aquilo que há uns anos era impensável tornou-se real e poucos se conformam. Eu, que rapidamente me habituei à situação (sou um situacionista), tento animá-las. Lembro-lhes que poderíamos estar pior - com Ferro e Louçã, com Ferro e Santana, ou, menos mau, mas ainda assim pior, com Santana a solo, reforçado pelas urnas e quatro anos assegurados pela frente. Faço-os ver que poderemos vir a estar pior - com Sócrantanas, Santócrates ou Santana, só ele, por mais quatro anos e legitimidade reforçada pelas urnas. E chamo-lhes a atenção para o que, sendo hoje impensável, pode muito bem vir a ser o futuro: pior, ainda pior. Santana, farto de mandar, muda-se para a presidência; Rui Gomes da Silva, embra com pena, declina o convite das bases para lhe suceder no governo; e nós, espantados e surpreendidos (e à margem dos acontecimentos), levamos com um Marco António, um Seguro, um Lacão ou o Rolão Preto da distrital - legitimados nas urnas -, pelas trombas acima.
Continuem a queixar-se, continuem a queixar-se...

“A perfeição existe”

Também, à margem dos Jogos

Num dos melhores jogos de rugby dos últimos anos, a Africa do Sul superiorizou-se à Nova Zelândia (40-26) na penúltima jornada do Torneio das três Nações, deixando a decisão do título para o último jogo, contra a Austrália, no próximo Sábado em Durban.

Depois de oito derrotas consecutivas, os Springboks, no mítico Ellis Park de Joanesburgo (o estádio onde, em 1995, se sagraram campeões do mundo) conseguiram finalmente derrotar os All Blacks, num jogo onde houve de tudo o que de bom há no melhor rugby: vários ensaios, equilíbrio com viragens do marcador, grandes desempenhos individuais (Marius Joubert, Breyton Paulse, Joe van Niekerk), melhor desempenho colectivo, erros e incerteza até ao fim.

Um jogo perfeito para quem o viu, que faz esquecer os competitivos mas pobres espectáculos do último campeonato mundo.



8.16.2004

Atenas

O que há de mais forte em Atenas é a luz e as suas metamorfoses ao longo do dia. Nisto, Atenas é como Lisboa (naquilo é pior e em muitas outras coisas é melhor. Lá iremos).
Uma cidade onde o branco predomina e permite destacar as mais variadas cores com que o sol de Agosto vai, de hora a hora, pintando o céu. Do azul aberto que vai desbotando até tornar imperceptível o recorte no horizonte (branco, com branco e mais branco), ao cor-de-laranja que ganha vida até ao violeta e a um encarnado que, com o pôr-do-sol, salta de novo para o azul, agora noite, a escurecer até tudo ficar preto. Ora se está imerso numa luminosidade tão clara e acutilante que quase cega, como se passa para um cenário em technicolor com cores quentes – laranjas e encarnados – e frias – azuis –, bem definidas, onde encaixa o fim da tarde e princípio da noite.
Atenas é uma cidade que tem que ser visitada no Verão. Não é imaginável em nenhuma outra altura, porque, calculo, em nenhuma outra altura a luz pode ser tão deslumbrante.
Não liguem a quem disser que está muito calor, que é, ou deve ser, insuportável, que, que, que…

Casa Podre

Nada como levar com o esterco em que, já o sendo, se tornou ainda mais o caso Casa Pia para ter a certeza que voltei à nossa triste e pequena realidade de país periférico (pior que isto, só uma sequência de directos do exterior do Estádio da Luz em dia de Agosto e apresentação do Benfica aos sócios e simpatizantes).
Sendo no mínimo questionável que um director da PJ tenha conversas off ou on the record sobre este assunto com um jornalista, para mais, de duvidosíssima reputação, não resta qualquer dúvida que esse mesmo director não pode, em circunstância alguma, revelar a esse jornalista o que quer que seja sobre o dito assunto, ainda que considere que aquilo que está a dizer “não é nada de importante”. Nessa medida, e por mais que custe (por ser, também, uma vitima de quem quer descredibilizar o processo), perante o que veio a público, muito dificilmente a continuação de Salvado à frente da policia seria sustentável.
Um dos maiores problemas que se têm levantado ao longo desta miserável saga é o do papel e limites dos media na cobertura de casos judiciais.
Vejo uma enorme (e saudável) indignação perante aqueles que, não sendo jornalistas, se suspeita terem violado o segredo de justiça, mas também vejo uma (patológica) complacência generalizada perante os jornalistas que, violando-o, vão mais longe e divulgam-no a um imenso número de pessoas.
Sempre que sai uma “notícia” com origem na violação de segredo de justiça, logo aparecem várias sumidades a exigir inquéritos para que se apure quem foi o violador original, mas poucos reparam e menos ainda assinalam que o jornal, televisão ou rádio (mais precisamente, o jornalista autor e o director que aprova a sua publicação ou emissão) que dá a “notícia”, quando consciente que ela tem por base matéria que está sob segredo de justiça, também está a violar 'o segredo', com a agravante de estar a fazê-lo perante um universo de pessoas substancialmente maior.
Enquanto persistir a cultura de impunidade dos jornalistas que, materialmente, violam as regras a que todos (incluindo eles!) estão obrigados, abrigando-se para isso em subterfúgios formais, o descrédito continuará a aumentar e o sistema continuará a apodrecer.
É inadmissível (só não é, porque já nos conformámos com esta mediocridade em que tudo parece ser normal) que um tipo que gravou conversas sem autorização dos visados continue a trabalhar num jornal, em qualquer jornal. É inacreditável que a directora de um jornal (O Independente, capaz do bom e do péssimo) publique conversas gravadas e obtidas de forma criminosa e conteúdos de escutas telefónicas feitas no âmbito de um processo de investigação (como há uns meses fez com as conversas de Ferro Rodrigues) e venha, a rir, falar em serviço público. Mais inacreditável é tratando-se da filha do advogado de um dos arguidos do processo e sabendo-se que a divulgação pode, indirectamente, vir a beneficiá-lo.
Que não haja vergonha é algo que não me surpreende. O homem e a mulher, quando acossados (ou não), são capazes de tudo. Agora, que não haja lei capaz de travar a falta de vergonha é que, inexplicavelmente, ainda me continua a espantar. Continua? Cada vez menos. Aos poucos todos nos iremos habituar.

Um português que sofre

Depois de dias a fio na praia, não resisti e pus-me a assistir às provas de ginástica dos JO – uma das minhas modalidades preferidas em contexto olímpico – que passaram na RTP N(orte?), enquanto o 1º canal transmitia um maçador Portugal-Marrocos em futebol (by the way, o enterro definitivo do euro deu-se ontem à noite, num típico Boavista-Porto, com direito a estádio vazio, porrada o rodos e um nulo, em golos e futebol).
A ginástica é de todos os desportos aquele em que mais se exige aos que competem. Não são admitidas falhas, porque não há tempo para recuperar. Não são permitidos deslizes, porque não há segundas oportunidades. São anos de preparação que se decidem em poucos minutos, sob o olhar gélido de romenas e ex-RDAs frígidas que pontuam e um mundo inteiro que assiste.
Como português, tenho cada vez maiores dificuldades em ver provas de ginástica ao nível do que se disputa nuns JO. Não me conformo com o rigor das avaliações; angustio-me perante severidade do júri; desespero com a exigência dos exercícios. Sofro com a crueldade que rodeia o espectáculo, o qual me parece quase desumano.
Como português, sinto falta da complacência que há nos outros desportos; da possibilidade de recuperação e da oportunidade de “emendar a mão”. Chego, inclusive, a ter saudades do comentário leve e benevolente perante aqueles que não conseguem ganhar, do tipo “esteve menos bem” (quando foi abaixo de cão) ou “está a ter uma actuação pouco feliz” (quando está a ser um desastre).
Na ginástica só há a excelência ou a derrota, e eu, como português, sofro perante este inultrapassável maniqueísmo. Preciso do “se”, do “mas”, de alternativas que permitam esconder ou disfarçar o fracasso.
Como português, não estou habituado a tanta exigência nem a avaliações tão severas. Tenho que sentir que é permitido começar mal, ou assim-assim. Tenho que conceber a possibilidade de ter um voto de confiança depois de ter dado razões para a desconfiança. Tenho que admitir que é possível conseguir à rasca, mesmo que possa conseguir à vontade.
Como português, e apesar de tudo isto, continuarei a ver a ginástica e, assim, continuarei a sofrer. Por vê-la e por ser português.

a culpa é do Cavaco? Não, a culpa é dos americanos!

Na fabulosa (fabulosa é pouco!) cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos ficou mais uma vez demonstrado quão burras são as multidões à solta.
À entrada da comitiva dos Estados Unidos ouviu-se uma monumental assobiadela (contestada, porém, por uma série razoável de aplausos). Até aqui tudo bem (para mim, tudo mal), já que é concebível a hipótese de os espectadores presentes no estádio serem maioritariamente anti-americanos ou anti-a-actual-administração-americana. Pouco depois (ou antes - já não me lembro) ouviu-se uma estrondosa ovação no momento do anúncio da entrada da delegação Iraquiana. E aqui as coisas complicam-se, pois, das duas uma: ou a ovação foi para o Iraque libertado ou foi para o Iraque resistente, saudoso, ou não, de Sadam. Não há outra alternativa. Sendo os gregos um povo civilizadíssimo (digo eu, que venho de lá) e sendo os restantes presentes no olímpico, presumivelmente, gente cosmopolita, se não de bom-senso, pelo menos de senso comum, não é crível que os vivas fossem para Moqtada al-Sadr. Assim, só podem ter sido para o Iraque instituído após a guerra. Ora, acontece que este Iraque que o povo – e bem – aplaudiu, é como é, só e mais nada, graças à América que o mesmíssimo povo vaiou. Seja qual for a posição que se tenha relativamente à última guerra do Iraque, ninguém pode negar este facto.

Moral da história: de uma manifestação como esta, nenhum sentido - ligeiro sequer - pode ser retirado. É que, entre o que se passou em Atenas, o que se vê todas as semanas nos Prós e Contras da Fátima Campos Ferreira (onde se dá vivas a tudo e ao seu contrário), e que se passa nas mais variadas manifestações populares onde se reúne um número suficiente de gente que permita diluir as partes no todo, nenhuma diferença existe. São todos casos em que a boçalidade do povo unido dita a forma de comportamento do indivíduo hesitante.

o que é natural é respeitar aqueles que ousaram ser originais

Um qualquer criativo da nossa praça resolveu inspirar-se num antigo reclame do Restaurador Olex para fazer a nova campanha da Moviflor. Acontece que, na ânsia de agradar ao zeitgeist instituído, o publicitário e a casa de móveis acharam por bem alterar o tom politicamente incorrecto do texto inicial – onde se dizia “Um preto de cabeleira loira e um branco de carapinha, não é natural!” – para um inócuo: “um avô com móveis modernistas e um casal jovem com mobília tradicional, não é natural”.
Nada tenho contra remakes, ainda que em contexto diverso do original, mas pergunto-me se, em nome do respeito pelo espírito do primitivo anúncio, não deveria antes dizer-se, por exemplo: “Um velho sozinho e sem descendência com móveis modernos e um casal de paneleiros com mobília tradicional, não é natural!”
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