8.16.2004

Um português que sofre

Depois de dias a fio na praia, não resisti e pus-me a assistir às provas de ginástica dos JO – uma das minhas modalidades preferidas em contexto olímpico – que passaram na RTP N(orte?), enquanto o 1º canal transmitia um maçador Portugal-Marrocos em futebol (by the way, o enterro definitivo do euro deu-se ontem à noite, num típico Boavista-Porto, com direito a estádio vazio, porrada o rodos e um nulo, em golos e futebol).
A ginástica é de todos os desportos aquele em que mais se exige aos que competem. Não são admitidas falhas, porque não há tempo para recuperar. Não são permitidos deslizes, porque não há segundas oportunidades. São anos de preparação que se decidem em poucos minutos, sob o olhar gélido de romenas e ex-RDAs frígidas que pontuam e um mundo inteiro que assiste.
Como português, tenho cada vez maiores dificuldades em ver provas de ginástica ao nível do que se disputa nuns JO. Não me conformo com o rigor das avaliações; angustio-me perante severidade do júri; desespero com a exigência dos exercícios. Sofro com a crueldade que rodeia o espectáculo, o qual me parece quase desumano.
Como português, sinto falta da complacência que há nos outros desportos; da possibilidade de recuperação e da oportunidade de “emendar a mão”. Chego, inclusive, a ter saudades do comentário leve e benevolente perante aqueles que não conseguem ganhar, do tipo “esteve menos bem” (quando foi abaixo de cão) ou “está a ter uma actuação pouco feliz” (quando está a ser um desastre).
Na ginástica só há a excelência ou a derrota, e eu, como português, sofro perante este inultrapassável maniqueísmo. Preciso do “se”, do “mas”, de alternativas que permitam esconder ou disfarçar o fracasso.
Como português, não estou habituado a tanta exigência nem a avaliações tão severas. Tenho que sentir que é permitido começar mal, ou assim-assim. Tenho que conceber a possibilidade de ter um voto de confiança depois de ter dado razões para a desconfiança. Tenho que admitir que é possível conseguir à rasca, mesmo que possa conseguir à vontade.
Como português, e apesar de tudo isto, continuarei a ver a ginástica e, assim, continuarei a sofrer. Por vê-la e por ser português.
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