8.16.2004

Casa Podre

Nada como levar com o esterco em que, já o sendo, se tornou ainda mais o caso Casa Pia para ter a certeza que voltei à nossa triste e pequena realidade de país periférico (pior que isto, só uma sequência de directos do exterior do Estádio da Luz em dia de Agosto e apresentação do Benfica aos sócios e simpatizantes).
Sendo no mínimo questionável que um director da PJ tenha conversas off ou on the record sobre este assunto com um jornalista, para mais, de duvidosíssima reputação, não resta qualquer dúvida que esse mesmo director não pode, em circunstância alguma, revelar a esse jornalista o que quer que seja sobre o dito assunto, ainda que considere que aquilo que está a dizer “não é nada de importante”. Nessa medida, e por mais que custe (por ser, também, uma vitima de quem quer descredibilizar o processo), perante o que veio a público, muito dificilmente a continuação de Salvado à frente da policia seria sustentável.
Um dos maiores problemas que se têm levantado ao longo desta miserável saga é o do papel e limites dos media na cobertura de casos judiciais.
Vejo uma enorme (e saudável) indignação perante aqueles que, não sendo jornalistas, se suspeita terem violado o segredo de justiça, mas também vejo uma (patológica) complacência generalizada perante os jornalistas que, violando-o, vão mais longe e divulgam-no a um imenso número de pessoas.
Sempre que sai uma “notícia” com origem na violação de segredo de justiça, logo aparecem várias sumidades a exigir inquéritos para que se apure quem foi o violador original, mas poucos reparam e menos ainda assinalam que o jornal, televisão ou rádio (mais precisamente, o jornalista autor e o director que aprova a sua publicação ou emissão) que dá a “notícia”, quando consciente que ela tem por base matéria que está sob segredo de justiça, também está a violar 'o segredo', com a agravante de estar a fazê-lo perante um universo de pessoas substancialmente maior.
Enquanto persistir a cultura de impunidade dos jornalistas que, materialmente, violam as regras a que todos (incluindo eles!) estão obrigados, abrigando-se para isso em subterfúgios formais, o descrédito continuará a aumentar e o sistema continuará a apodrecer.
É inadmissível (só não é, porque já nos conformámos com esta mediocridade em que tudo parece ser normal) que um tipo que gravou conversas sem autorização dos visados continue a trabalhar num jornal, em qualquer jornal. É inacreditável que a directora de um jornal (O Independente, capaz do bom e do péssimo) publique conversas gravadas e obtidas de forma criminosa e conteúdos de escutas telefónicas feitas no âmbito de um processo de investigação (como há uns meses fez com as conversas de Ferro Rodrigues) e venha, a rir, falar em serviço público. Mais inacreditável é tratando-se da filha do advogado de um dos arguidos do processo e sabendo-se que a divulgação pode, indirectamente, vir a beneficiá-lo.
Que não haja vergonha é algo que não me surpreende. O homem e a mulher, quando acossados (ou não), são capazes de tudo. Agora, que não haja lei capaz de travar a falta de vergonha é que, inexplicavelmente, ainda me continua a espantar. Continua? Cada vez menos. Aos poucos todos nos iremos habituar.

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