e quando o Raul Solnado faltar?
A propósito dos obituários de Arafat que por esta altura já vão sendo alinhavados – os quais, como era de esperar, se limitam a realçar as qualidades do homem e a importância do político, esquecendo as proezas do terrorista – recordo o quanto os portugueses são generosos com o próximo no instante seguinte ao da sua morte.
Por cá, aos políticos ou aos cidadãos vagamente politizados que desaparecem, é reconhecido “o passado antifascista”, “o papel (qual papel?!) na luta pela liberdade” ou “os inestimáveis serviços prestados à implementação da democracia”, mesmo que o único facto que vagamente possa ser invocado a esse propósito seja uma discreta presença numa qualquer manifestação de apoio a Humberto Delgado. Ao vê-los morrer, até parece que todos estiveram presos, exilados, ou foram perseguidos e torturados. (E se calhar foram, e se calhar foram). Aos “artistas”, ou gente do “meio artístico”, é reconhecido o abundante talento, “a contribuição para a evolução”, mas, acima de tudo, são reconhecidas as imensas qualidades humanas – “Foi um grande artista, mas, mais do que isso, foi um grande homem”. Ao vê-los morrer, até parece que isto é um país de grandes artistas e de grandes homens. (E se calhar até é, e se calhar até é).
Com tamanha comiseração, não falta quem em Portugal se tenha especializado no célere elogio fúnebre e apareça sempre na pole position para ser o primeiro a prestar os pêsames em frente ao microfone. Quando o defunto é alguém da política, Mário Soares não costuma deixar-se antecipar, e com ele é garantida a recorrente lenga-lenga do passado de luta contra a ditadura. Já quando o falecido é artista, seja ele da canção, do palco, da televisão, rádio ou da cassete pirata, o primeiro a falar aos jornalistas é, invariavelmente, Raul Solnado. Solnado sofre genuinamente com cada uma destas baixas. Solnado quase chora. Solnado chega mesmo a chorar. Solnado, muitas vezes, chora. Solnado, de voz embargada, começa por lembrar a arte do artista, por sublinhar a sua singularidade, por exaltar o seu génio, e nunca, por nunca, se esquece de assinalar que, naquela hora, “mais do que um grande artista, perdeu-se um grande homem”. Solnado sabe que há vezes em que nada mais há a dizer, tal como sabe que há outras em que isso é tudo aquilo que deve ser dito.
Por cá, aos políticos ou aos cidadãos vagamente politizados que desaparecem, é reconhecido “o passado antifascista”, “o papel (qual papel?!) na luta pela liberdade” ou “os inestimáveis serviços prestados à implementação da democracia”, mesmo que o único facto que vagamente possa ser invocado a esse propósito seja uma discreta presença numa qualquer manifestação de apoio a Humberto Delgado. Ao vê-los morrer, até parece que todos estiveram presos, exilados, ou foram perseguidos e torturados. (E se calhar foram, e se calhar foram). Aos “artistas”, ou gente do “meio artístico”, é reconhecido o abundante talento, “a contribuição para a evolução”, mas, acima de tudo, são reconhecidas as imensas qualidades humanas – “Foi um grande artista, mas, mais do que isso, foi um grande homem”. Ao vê-los morrer, até parece que isto é um país de grandes artistas e de grandes homens. (E se calhar até é, e se calhar até é).
Com tamanha comiseração, não falta quem em Portugal se tenha especializado no célere elogio fúnebre e apareça sempre na pole position para ser o primeiro a prestar os pêsames em frente ao microfone. Quando o defunto é alguém da política, Mário Soares não costuma deixar-se antecipar, e com ele é garantida a recorrente lenga-lenga do passado de luta contra a ditadura. Já quando o falecido é artista, seja ele da canção, do palco, da televisão, rádio ou da cassete pirata, o primeiro a falar aos jornalistas é, invariavelmente, Raul Solnado. Solnado sofre genuinamente com cada uma destas baixas. Solnado quase chora. Solnado chega mesmo a chorar. Solnado, muitas vezes, chora. Solnado, de voz embargada, começa por lembrar a arte do artista, por sublinhar a sua singularidade, por exaltar o seu génio, e nunca, por nunca, se esquece de assinalar que, naquela hora, “mais do que um grande artista, perdeu-se um grande homem”. Solnado sabe que há vezes em que nada mais há a dizer, tal como sabe que há outras em que isso é tudo aquilo que deve ser dito.
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