11.10.2004

easy come

Com o aproximar da data limite para o pagamento do IVA, lembro-me das primeiras linhas de Money, um poema de Philip Larkin, na tradução para português que dele foi feita por Rui Carvalho Homem:

Cada três meses, talvez, o dinheiro censura-me:
“Porque me deixas aqui sem me dar uso?
Sou tudo o que nunca tiveste em bens e sexo.
Ainda os podias gozar se passasses uns cheques.”


Lembro-me do poema, mas numa perspectiva oposta àquela que nele é dada na primeira pessoa. Não é o dinheiro que me censura por eu não o gastar, sou eu que me auto censuro por não conseguir deixar de fazê-lo. Nesta história - na minha história - eu sou (com ligeiras adaptações) um dos "outros", e não aquele que narra:

Olho então para os outros, vendo o que fazem com o deles:
Não o guardam no colchão, com toda a certeza.
Já vão na segunda casa mulher e carro:
Que dinheiro tem algo a ver com a vida fica claro


O que depois se segue é universal e encaixa bem em qualquer um, mesmo naqueles que estão convencidos do contrário:

- De facto, têm muito em comum, se virmos bem:
Não se pode adiar para a reforma o ser-se jovem;
E pondo a queca no banco, o dinheiro a poupar
Só compra um último serviço: que nos venham barbear.

Escuto o canto do dinheiro. É como contemplar,
Do alto de amplas janelas, uma vila de interior:
Os casebres, o canal, a barroca e doida igreja
Ao sol do fim da tarde. É uma intensa tristeza.


E tem já muito pouco a ver com dinheiro.

[Philip Larkin, Dinheiro, in Janelas Altas, Cotovia, 2004]
A versão original pode ser lida aqui.
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