9.30.2004

Moretti + Nova Iorque



= Comparência obrigatória

The Last Customer, São Jorge, dez e meia (graças a Deus e ao Indie Lisboa)

eu e 'o Iraque'

[...] Um instante depois fiquei cheio de dúvidas, e, um instante depois desse instante, comecei a duvidar dessas dúvidas. [...]* - repeat

E assim vai a minha relação com 'o Iraque'.


*Paul Auster, O Livro das Ilusões

9.28.2004

emotional weather report



Daniel Blaufuks, collected short stories

too early for the circus, too late for the bars


o barulho das pessoas num bar a seguir ao trabalho

parar para escutar o barulho das pessoas num bar a seguir ao trabalho. Sair do silêncio em que se observam as coisas importantes, para dar atenção ao emergir gradual do burburinho que as pessoas que enchem um bar fazem a seguir ao trabalho.

Empathize with your enemy



Esta, não sendo nova, é a primeira das onze lições que Robert McNamara debita no excelente filme de Errol Morris The Fog of War (a ver, ou a rever, hoje no Indie Lisboa).
Quem está à frente de uma guerra, ou quem tem que gerir situações que nela podem desembocar, deve tentar colocar-se na pele do seu inimigo para, através dos olhos deste, olhar para si próprio e, assim, adivinhar o que lhe vai na alma (se for caso de a ter), perceber quais são os pensamentos que estão por detrás das suas decisões, acção ou omissões. Para descobrir quais são as suas expectativas e as suas ambições. De onde vai partir, até onde pretende ir, o que está disposto a arriscar e do que jamais quererá abdicar.
Ao aplicar esta lição ao Iraque, veremos como nem Bush nem Sadam conseguiram sintonizar-se um com o outro. O Iraque, parece-me bem, é um exemplo de como esta lição, melhor ou pior estudada, pode ser decisiva para o desfecho de uma crise política.
Bush, a acreditar naquilo que quis transmitir, viu Sadam como um perigo (directo – ADM – e indirecto – terrorismo) para a América e para o Ocidente, fazendo desta sua visão justificação principal para a invasão, com as consequências que ainda estão por apurar. Bush, ao ver (ou ao fingir que viu) Sadam como uma ameaça para o Ocidente, mostrou não ser capaz de meter-se na pele dele. Longe de mim querer branquear Sadam. Mas, de um assassino do seu próprio povo e vilão dentro do seu próprio país, para “um perigo para o Ocidente”, no sentido que Bush quis dar à expressão, vai alguma distância (veja-se, com as devidas adaptações, o caso de Castro).
No momento em que a guerra começou, Sadam tinha a ambição que sempre teve: ser rei e senhor do Iraque. Um ditador local que, no seu (grande) quintal, faz o que lhe dá na gana. Para além disso, Sadam quis que ficasse bem claro para os outros – e aqui os “outros” são os seus e os outros propriamente ditos – que no exercício do seu poder não se deixava condicionar por quem quer ou o que quer que fosse. Estou convencido que Sadam não tinha a ambição de atacar nem a América, muito menos o mundo, e di-lo-ia mesmo que tivessem sido descobertas as famigeradas armas de destruição massiva (que ainda podem aparecer, já sei, já sei). Desta vez, qualquer ataque de Sadam, mesmo que restringindo-se à zona do Médio Oriente, findaria com a sua própria aniquilação. E Sadam, mais do que ambicioso, prezava o seu bem-estar pessoal.
Estou igualmente convencido que o Iraque, enquanto Sadam chefiou, esteve longe de ser um campo de treino de terroristas. Antes pelo contrário: a forma absoluta de poder de Sadam era incompatível com a existência de quaisquer outros poderes, ainda que a ele subordinados, muito menos marginais. Sadam, até pela forma “laica” como exercia o império, era avesso à presença nos seus territórios do tipo de fundamentalismos que alimentam o grande terrorismo internacional. Sadam, como de modo primário alguns disseram, queria putas e vinho verde (ou rosé) e para isso estava disposto a sacrificar o seu povo, mas nunca o seu domínio.
Por seu lado, da mesma forma que Bush foi incapaz de vestir a pele de Sadam, também este foi incapaz de enfiar-se na pele do seu inimigo. Sadam acreditou sempre que Bush nunca atacaria o Iraque. Sadam confiou que perante a conjuntura internacional, maioritariamente hostil a uma ofensiva, no fim do dia, Bush acabaria por hesitar e, hesitando, acabaria por condescender. De outra forma, caso tivesse previsto a invasão, Sadam teria encontrado uma forma de ceder sem 'ceder'. Sadam sabia melhor do que ninguém que o seu exército seria incapaz de resistir por muito tempo a uma ofensiva americana e, assim, o brutal mas não totalmente estúpido Sadam, tinha consciência de que um ataque, independentemente de tudo o resto, acarretaria fatalmente o fim os seus dias de prepotência. Sabendo disso, e por mais que quisesse mostrar-se inflexível, Sadam não iria esticar a corda se tivesse enxergado que Bush estava disposto a ir até ao fim.
A acreditar na tese de que as hipotéticas ADM e o eventual covil de terroristas foram as principais razões para a invasão (coisa em que eu - por ainda ter em alguma consideração intelectual, se não o presidente, pelo menos a administração americana - não acreditei), a guerra do Iraque nasceu de um erro de avaliação mútua. Bush julgou que Sadam queria mais, quando na realidade apenas queria o que já tinha, e Sadam julgou que Bush, consciente do que ele - Sadam - queria, não iria penhorar-se perante o mundo.

9.27.2004

um ano para nunca mais esquecer

"Ouvinte do Fórum TSF só 'indignado' e não 'extremamente indignado' com a indigitação de Santana"

in Um ano para esquecer, O Inimigo Público

9.26.2004

a equipa possível

9.24.2004


9.23.2004

sobre a caça à raposa (a pé ou a cavalo)

Meu caro maradona Abrantes do Nascimento Peseiro, depois de ler tão brilhante dissertação sobre a não inevitabilidade da proibição da caça à raposa, incapaz, porém, de convencer o mais neutral dos defensores dos direitos dos animais, incluindo nestes homens e mulheres (pela ordem inversa), coloco a questão de saber se não será também de considerar o sofrimento infligido a tantos milhares de animais que se dedicam a esta nobre ou desprezível actividade, tal como cães ou, até, homens e mulheres (pela ordem inversa) a pé e a cavalo. É que, para estes, a roupa interior do Carlos Carvalhas é algo que se lava com sabão Clarim num tanque de mármore para depois estender ao sol com muito carinho.

9.22.2004

Paris não é uma festa



Paris é uma festa

9.21.2004

aconteceu, não aconteceu?

Um dos delírios recorrentes que tenho em situações de angústia futebolística (e que julgo ser comum a outros fanáticos) consiste em imaginar que o guarda-redes da equipa adversária, no momento em que se prepara para bater um pontapé de baliza, enlouquece, vira-se de costas, e enfia a bola nas suas próprias redes. Ou então está com a bola nas mãos de frente para o campo e, sem sequer se virar, sacode-a para trás, fazendo-a anichar-se na baliza. Claro que, depois de uma atitude destas, o guarda-redes seria imediatamente substituído, mas isso seria se as coisas assim acontecessem na realidade. E a realidade é algo que, por ora, não me interessa.
Ontem, em Alvalade, tive mais um desses desvarios. E tive outros: acreditei que iríamos virar o resultado. Mesmo depois da expulsão do Liedson, ou talvez mais ainda depois da expulsão do Liedson, acreditei que iríamos marcar um e logo de seguida outro. Ou, pelo menos, antes do fim do jogo, outro. Estava convencido que o Pedro Barbosa iria inventar um daqueles golos tão típicos dele, em que avança junto à linha lateral, finta um, finta dois, aproxima-se do bico da área, abranda, flecte para o centro e saca uma bojarda com a parte de dentro do pé direito, fazendo a bola disparar em arco e entrar no oposto canto superior da baliza. Tinha quase a certeza que o Beto iria arrancar do meio da defesa, progredir uns valentes metros e estoirar à entrada da área levando a bola a bater no chão junto à linha de baliza e a enganar o guarda-redes que, deitado, ficaria a vê-la entrar do outro lado. A seguir, dirigir-se-ia para a bancada central, com o punho erguido e os dentes cerrados qual cão raivoso, como que a dizer "assobiem agora meus cabrões, assobiem agora". Apesar do espectáculo pobre, que quase metia dó, e da impotência que se respirava, quando faltavam três minutos para o fim, eu meti na cabeça que o Pinilla iria estrear-se a facturar. Alguém – talvez, o Tinga, talvez o Viana – centraria para a boca da pequena área e o Pinilla, elevando-se acima dos outros mais altos do que ele, cabecearia à Manel Fernandes: de cima para baixo como mandam as regras. Depois, com os descontos de pelo menos cinco minutos, teríamos mais do que tempo para marcar o segundo. Estava mesmo a ver, 94m e 57s, livre à entrada da área, Rogério simula que remata, dá um toque para o lado direito, o Duala saca mais um cruzamento teleguiado (como aquele que sacou frente ao Rapid) e junto ao poste mais distante comparece o Polga para enfiá-la no rectângulo (golo no último segundo filho de uma jogada ensaiada pelo Peseiro. A redenção).
Como se sabe, nada disso aconteceu. Porém, aconteceu.

9.20.2004

waiting for the miracle



por mais um, melhor dito

9.19.2004

a ler

É muito interessante este post do João Vacas no No Quinto dos Impérios.

9.17.2004

as coisas boas

:"Estás sempre a surpreender-te com as coisas boas, mas as coisas boas são quase todos os dias"

found



Encontrei este postal em casa. Não, encontrei este postal na rua. Não, encontrei este postal na internet. Não. Encontrei este postal ...

história circular (e triste)

Um dia, chovia. Numa casa havia uma formiga. A formiga comia o colchão, onde um homem comia uma mulher. Era a sua mulher que ele comia. Era sua a mulher que ele comia. Um dia, no seguinte, no outro, e por aí adiante. O homem comia, a mulher agradecia. Um dia a mulher viu a formiga, a formiga que comia o colchão. A mulher matou a formiga, a formiga morreu no colchão, no colchão onde o homem comia a mulher; no colchão onde o homem a deixou de comer. A mulher acabou por morrer. Nesse dia chovia. Numa casa havia uma formiga, a formiga comia o colchão. Comeu, comeu, comeu e um dia morreu. Sem ter conseguido acabar de o comer.

9.15.2004

I always start with an image, never with a meaning (...)”

Dizia Maurizio Cattelan numa entrevista dada há uns anos atrás. Com Madonna, primeiro vem a imagem, depois vem a imagem. A imagem é o princípio, o meio e o fim. A imagem é o conceito - e o concerto foi uma boa imagem do conceito.
A começar pelos vídeos usados como pano de fundo: apropriadíssimos (alguns – como aquele das bandeiras – tão bons que bem podiam ter saído de uma exposição num MOMA ou num Palais de Toquio); passando pelo palco, com os vários cenários em que se desdobra e a parafernália de soluções técnicas que permitem um sem número de ângulos e imagens (lá estou eu outra vez); e a acabar nos figurantes: bailarinos e músicos que se movimentam apenas e só em função da estrela.
A estrela.
Em palco, Madonna, cada vez mais tesuda, mas sem nunca ser ordinária, atravessa com destreza por todas as suas personas, ou - reduzindo as coisas àquilo que elas são – por todos os seus bonecos: da G.I. à colegial, da material girl à mãe preocupada com as criancinhas pobres do terceiro mundo - num espectáculo onde são recriados outros “espectáculos” - Cotton Club, Las Vegas, Broadway - e por cima do qual paira uma tensa dialéctica erótico-religiosa (do cabaret para o convento, do convento para o cabaret).
Madonna é um ícone pós-moderno e os seus concertos não deixam de reflectir isso: um cocktail onde quase tudo se mistura: durante Die Another Day – tema do último James Bond - dança-se o tango ao som de uma batida tecno; em American Life ouvem-se explosões e vêem-se imagens de guerras recentes; um coro gospel sublinha os versos finais de Like a Prayer, e no ecrã, ao fundo, surge um pormenor de pintura bizantina que, por sua vez, evolui para um Cristo latino-americano, imagem que fica a emoldurar uma outra música onde se ouve um trecho hipo-hop ao estilo old scholl; a abertura de um novo número – Into the Groove – é acompanhada com a entrada em palco de um tatoo militar escocês, com gaita-de-foles e tudo, e no fecho de Papa don’t Preach assiste-se a uma encenação do recreio de um colégio de meninas . Depois há acrobacias de circo, yoga, citações da Kabbalah, momentos de correcção política e demagogia barata, confetti, desportos radicais, cadeiras eléctricas, e muito mais.
Mas nada disto seria suficiente para tornar aquilo que é apenas muito bem produzido num espectáculo único. Não são as imagens - por melhor escolhidas e realizadas que sejam - nem é a música - em regra uma merda -, que fazem deste, um concerto para não mais esquecer. Sem o carisma de Madonna, sem a sua força (sexual, pois está claro) que subjuga tudo e todos aos seus pés (não terá sido por acaso que antes do arranque do concerto se ouvia nos altifalantes do pavilhão uma versão de “I wanna be your dog”), o espectáculo não passaria de qualquer coisa entre o Cats e os irmãos Cardinali.
É o carisma de Madonna que determina a percepção das coisas que à frente dos nossos olhos se vão passando. Um carisma construído a partir de uma imagem; uma imagem de tal forma pujante que se transformou num conceito; um conceito que envolve e eleva o espectáculo ao ponto de, no momento em que o pano cai, nos sentirmos por ele totalmente esmagados.

9.13.2004

Carlo Mollino





e se não?

xi. Acho que, depois dessa alteração legislativa, os médicos portugueses que assim o entenderem deverão ter o direito de invocar objecção de consciência para não realizarem abortos em hospitais públicos ou privados, desde que haja alguém que os possa substituir num caso que seja considerado de emergência.
in the blog formerly known as \<<(.)(.)>>/

Sara,

O direito à objecção de consciência não vem depois da alteração legislativa, na forma de concessão aos que a ela se opõem. O direito à objecção de consciência não está sujeito a nenhuma condição. O médico apenas está obrigado a salvar vidas: “num caso que seja considerado de emergência” salva as que forem salváveis: a da mãe, a do filho, ou ambas. O direito à objecção de consciência é algo que já existe e continuará a existir sem qualquer condicionante. Pelo menos enquanto o Estado quiser manter um mínimo de respeitabilidade.

depois da droga: a ressaca

Os meus anos dividem-se em dois períodos: à espera do 24 e à espera do 24 seguinte.

9.10.2004

does humour belongs in politics?

Como muitas outras pessoas que com “ela” não convivem habitualmente, tenho da esquerda militante portuguesa uma imagem dura, amarga, estafada, pesada, onde o peso dos anos na clandestinidade é usado para justificar todas as reclamações, todos os excessos, todos os queixumes que, como uma cassete, de dia para dia se renovam sem nada de novo trazerem. Tenho porque a vejo assim e vejo-a assim porque é assim que ela, desde que me lembro, se gosta de mostrar.
O Barnabé, talvez por ser feito por gente de uma nova geração, talvez por outro qualquer motivo, veio demonstrar que, à esquerda da esquerda, a palavra, para além de uma arma, é algo que nos pode pôr a rir. Ao longo do ano que hoje passa, os Barnabés ofereceram a quem os segue algum do melhor humor que é feito neste país: muito bem escrito; inteligente; ora subtil, ora acutilante; por vezes sub-reptício, por vezes de mau gosto; mas quase sempre hilariante e desarmante. Sobretudo desarmante. Por várias ocasiões dei por mim a condescender naquilo com que não concordo só para melhor saborear a piada de um qualquer post. O Barnabé tem essa graça: faz-nos rir de nós próprios, mesmo quando o tema é coisa séria.
Perante isto, pouco me interessa as barbaridades políticas que, num português impecável, apregoam. Pouco me interessa que queiram ter o melhor de dois mundos, ao achar que é possível estar de bem com os dois mundos: o deles e o outro – o real. Pouco me interessa que se julguem os guardiães da moralidade suprema. Afinal, também aqui reside parte do humor com que diariamente nos brindam.
O que é o Barnabé tem?
(para além das não-sei-quantas-mil-visitas) Tem graça. Imensa graça.

9.09.2004

não te prives* (barely legal & mature)



O melhor flirt dos últimos anos

*(assim vale a pena abordar as 'questões fracturantes')

9.08.2004

linking (in progress)

things ain't what they used to be

A meio de um zapping descubro o governador da Califórnia a fazer de Mr. Freeze. Noutro canal, vejo a selecção de juniores onde um tal de Organista joga na posição de “carregador de piano”.
O que vale é que na SIC Notícias continua a ser o Mário Crespo a apresentar o jornal das nove.

9.05.2004

love won't hurt anymore

No meio de tantas conversas sobre o assunto, há quem, por lapsus linguae ou displicência, acabe por referir-se ao Borndiep como o “barco do amor”, o que provoca em quem ouve a imediata necessidade de emendar, lembrando que é o “barco do aborto”.
Eu cá, quando isso acontece, não digo nada. Se é certo que o barco é do aborto, não deixa igualmente de ser verdade que este barco é, também, um barco do amor.
Do amor entre mulheres, entenda-se.

9.03.2004

if one thing matters, everything matters



É uma natureza morta e, pelo que se vê, não parece ter sido muito difícil de conseguir. Algumas frutas, legumes, objectos triviais e um dia no quarto de um hotel barato em Nova Iorque. Qualquer um poderá tentar fazer uma parecida.
Esta é fotografia de Wolfgang Tillmans que mais gosto. Suficiente para que, por mais bestialidades que ele faça – e digo isto sem fazer a mínima ideia se as faz ou não – tenha sempre a minha admiração.

The Pros and Cons of Hitch Hiking


In truck stops and hamburger joints
In Cadillac limousines
In the company of has-beens
And bent-backs and sleeping forms
On pavement steps
In libraries and railway stations
In books and banks
In the pages of history
In suicidal cavalry attacks I recognise...
Myself in every stranger's eyes

And now
from where I stand
Upon this hill
I plundered from the pool
I look around, I search the skies
I shade my eyes, so nearly blind
And I see signs of half remembered days
I hear bells that chime in strange familiar ways
I recognise...

The hope you kindle in your eyes

It's oh so easy now
As we lie here in the dark
Nothing interferes it's obvious
How to beat the tears
That threaten to snuff out
The spark of our love

Há na forma como Roger Waters canta estas palavras, na entoação que dá a cada uma delas, como corta ou estende o seu final, segredando umas e gritando outras, e na alma que mete em tudo isso, algo que ultrapassa e muito o comovente.
Esta é a letra do penúltimo capítulo de um disco que é uma história.
Desde o dia em que o ouvi, cada audição pede uma nova, e outra, e mais, até parar, para num outro dia ou ano ou quando for, mas seguro que vai ser, a ele voltar para sentir exactamente a mesma coisa que senti no momento em que pela primeira vez o ouvi.
Dir-me-ão que é um disco datado, um disco que soa sempre igual. Direi que é.
É um disco que ficou parado no tempo, mas é também um tempo que ficou gravado no disco.
Em 1984, quando saiu o LP; anos mais tarde, com a primeira edição em CD vinda da América de onde trazia censurado o rabo da menina da capa; agora; no futuro – em todas as vezes em que o pus a tocar, regressei ao primeiro dia em que o ouvi; em todas mais em que o puser, regressarei. Tinha 11 anos e mal percebia aquilo que nele é cantado, sussurrado ou dilacerantemente bradado. Agora percebo, mas nada mudou. Ouço-o como sempre. Muitas vezes. De seguida.



Este post ocorreu-me ao ler este outro. Está lá tudo.

I hate the smell of napalm in the morning

Acordo. Vejo que o barco ainda cá está, que os terroristas ainda lá estão, os jornalistas idem, e o Goucha continua a trabalhar na televisão.

9.02.2004

Thomas Ruff









found


9.01.2004

Being John Malkovich

Tom Ripley é um dos meus heróis; ou melhor, é um dos meus heróis-anti-heróis. A sua excentricidade, os contrastes comportamentais onde a barbárie segue sempre lado a lado com a sofisticação, a inteligência perversa, a arrogância e o desprezo pelo próximo que não exclui a possibilidade de com ele, por vezes, se importar, a imprevisibilidade das atitudes, a ambiguidade sexual, toda uma mistura inesperada de características que leva a que os defeitos sejam qualidades e estas se mantenham como tal.
Tom Ripley é uma personagem complicada de encaixar no mundo politicamente correcto e agreste em que às vezes parece vivermos. Cá, não há lá lugar para a sua brutalidade nem para o seu bom gosto; mas lá, nas páginas dos livros de Patricia Highsmith, onde Ripley se move imune a qualquer julgamento moral e onde “ter” e “poder” são verbos de fácil conjugação, o criminoso brilha em todo o seu esplendor.
Por ser uma personagem tão rica e complexa, a missão de transpô-la para o cinema mantendo um mínimo de dignidade é coisa difícil de alcançar. O risco de defraudar as legitimas expectativas daqueles que o conhecem do papel é elevadíssimo – para estes, mesmo que o filme seja bom, se a personagem não convencer, tudo acabará por ir água abaixo. Foi assim com The Talented Mr. Ripley de Anthony Minguella - um filme competente no qual Matt Damon, embora esforçado, deixa imenso a desejar - e foi assim com The American Friend, de Wim Wenders, onde Denis Hopper, sem deixar de ser brilhante, não pegou com o pré-conceito que tinha, e tenho, de Tom Ripley. Bons filmes (muito melhor o de Wenders) para quem os vê ignorando os romances de Patricia Highsmith, porém, para obstinados da série em livro – como eu – não passam de filmes falhados.
Há uns dias – por uma imperdoável falha, apenas há alguns dias –, vi a adaptação de Ripley´s Game, levada à tela por Liliana Cavani, onde finalmente pude vislumbrar uma aproximação em carne e osso àquilo que na minha cabeça é Tom Ripley. O autor da proeza é John Malkovich, que sendo John Malkovich consegue, também, ser Tom Ripley. Ripley’s Game é dos Ripley mais violentos e Malkovich, com o seu ar impune, superior e distante, empresta pela primeira vez (é verdade que não foram assim muitas) credibilidade literária à personagem cinematográfica. O filme já seria, em qualquer caso, um óptimo filme: argumento (obviamente) de primeira, uma fotografia excelente (glacé, como nos polards de Jean Pierre Melville), realização segura e actores secundários que não comprometem (se exceptuarmos Chiara Casseli). Só que, ao conseguir recriar de forma plausível a inverosímil criatura que Ripley é, o filme torna-se, mais do que um óptimo, num grande filme.
E assim, de um momento para o outro, Tom Ripley passou a ser John Malkovich. Para o bem e para o mal, daqui em diante, não mais será possível ler os livros de um sem que sobre eles paire a sombra do outro.
Terá sido a morte da personagem? Ou o seu renascimento livre das garras da imaginação...

Ripley's Game: 1 - 1

Em livro, este é melhor (uma obra-prima, direi mesmo)



Mas em filme, ganha este



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