9.21.2004

aconteceu, não aconteceu?

Um dos delírios recorrentes que tenho em situações de angústia futebolística (e que julgo ser comum a outros fanáticos) consiste em imaginar que o guarda-redes da equipa adversária, no momento em que se prepara para bater um pontapé de baliza, enlouquece, vira-se de costas, e enfia a bola nas suas próprias redes. Ou então está com a bola nas mãos de frente para o campo e, sem sequer se virar, sacode-a para trás, fazendo-a anichar-se na baliza. Claro que, depois de uma atitude destas, o guarda-redes seria imediatamente substituído, mas isso seria se as coisas assim acontecessem na realidade. E a realidade é algo que, por ora, não me interessa.
Ontem, em Alvalade, tive mais um desses desvarios. E tive outros: acreditei que iríamos virar o resultado. Mesmo depois da expulsão do Liedson, ou talvez mais ainda depois da expulsão do Liedson, acreditei que iríamos marcar um e logo de seguida outro. Ou, pelo menos, antes do fim do jogo, outro. Estava convencido que o Pedro Barbosa iria inventar um daqueles golos tão típicos dele, em que avança junto à linha lateral, finta um, finta dois, aproxima-se do bico da área, abranda, flecte para o centro e saca uma bojarda com a parte de dentro do pé direito, fazendo a bola disparar em arco e entrar no oposto canto superior da baliza. Tinha quase a certeza que o Beto iria arrancar do meio da defesa, progredir uns valentes metros e estoirar à entrada da área levando a bola a bater no chão junto à linha de baliza e a enganar o guarda-redes que, deitado, ficaria a vê-la entrar do outro lado. A seguir, dirigir-se-ia para a bancada central, com o punho erguido e os dentes cerrados qual cão raivoso, como que a dizer "assobiem agora meus cabrões, assobiem agora". Apesar do espectáculo pobre, que quase metia dó, e da impotência que se respirava, quando faltavam três minutos para o fim, eu meti na cabeça que o Pinilla iria estrear-se a facturar. Alguém – talvez, o Tinga, talvez o Viana – centraria para a boca da pequena área e o Pinilla, elevando-se acima dos outros mais altos do que ele, cabecearia à Manel Fernandes: de cima para baixo como mandam as regras. Depois, com os descontos de pelo menos cinco minutos, teríamos mais do que tempo para marcar o segundo. Estava mesmo a ver, 94m e 57s, livre à entrada da área, Rogério simula que remata, dá um toque para o lado direito, o Duala saca mais um cruzamento teleguiado (como aquele que sacou frente ao Rapid) e junto ao poste mais distante comparece o Polga para enfiá-la no rectângulo (golo no último segundo filho de uma jogada ensaiada pelo Peseiro. A redenção).
Como se sabe, nada disso aconteceu. Porém, aconteceu.
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