9.15.2004

I always start with an image, never with a meaning (...)”

Dizia Maurizio Cattelan numa entrevista dada há uns anos atrás. Com Madonna, primeiro vem a imagem, depois vem a imagem. A imagem é o princípio, o meio e o fim. A imagem é o conceito - e o concerto foi uma boa imagem do conceito.
A começar pelos vídeos usados como pano de fundo: apropriadíssimos (alguns – como aquele das bandeiras – tão bons que bem podiam ter saído de uma exposição num MOMA ou num Palais de Toquio); passando pelo palco, com os vários cenários em que se desdobra e a parafernália de soluções técnicas que permitem um sem número de ângulos e imagens (lá estou eu outra vez); e a acabar nos figurantes: bailarinos e músicos que se movimentam apenas e só em função da estrela.
A estrela.
Em palco, Madonna, cada vez mais tesuda, mas sem nunca ser ordinária, atravessa com destreza por todas as suas personas, ou - reduzindo as coisas àquilo que elas são – por todos os seus bonecos: da G.I. à colegial, da material girl à mãe preocupada com as criancinhas pobres do terceiro mundo - num espectáculo onde são recriados outros “espectáculos” - Cotton Club, Las Vegas, Broadway - e por cima do qual paira uma tensa dialéctica erótico-religiosa (do cabaret para o convento, do convento para o cabaret).
Madonna é um ícone pós-moderno e os seus concertos não deixam de reflectir isso: um cocktail onde quase tudo se mistura: durante Die Another Day – tema do último James Bond - dança-se o tango ao som de uma batida tecno; em American Life ouvem-se explosões e vêem-se imagens de guerras recentes; um coro gospel sublinha os versos finais de Like a Prayer, e no ecrã, ao fundo, surge um pormenor de pintura bizantina que, por sua vez, evolui para um Cristo latino-americano, imagem que fica a emoldurar uma outra música onde se ouve um trecho hipo-hop ao estilo old scholl; a abertura de um novo número – Into the Groove – é acompanhada com a entrada em palco de um tatoo militar escocês, com gaita-de-foles e tudo, e no fecho de Papa don’t Preach assiste-se a uma encenação do recreio de um colégio de meninas . Depois há acrobacias de circo, yoga, citações da Kabbalah, momentos de correcção política e demagogia barata, confetti, desportos radicais, cadeiras eléctricas, e muito mais.
Mas nada disto seria suficiente para tornar aquilo que é apenas muito bem produzido num espectáculo único. Não são as imagens - por melhor escolhidas e realizadas que sejam - nem é a música - em regra uma merda -, que fazem deste, um concerto para não mais esquecer. Sem o carisma de Madonna, sem a sua força (sexual, pois está claro) que subjuga tudo e todos aos seus pés (não terá sido por acaso que antes do arranque do concerto se ouvia nos altifalantes do pavilhão uma versão de “I wanna be your dog”), o espectáculo não passaria de qualquer coisa entre o Cats e os irmãos Cardinali.
É o carisma de Madonna que determina a percepção das coisas que à frente dos nossos olhos se vão passando. Um carisma construído a partir de uma imagem; uma imagem de tal forma pujante que se transformou num conceito; um conceito que envolve e eleva o espectáculo ao ponto de, no momento em que o pano cai, nos sentirmos por ele totalmente esmagados.
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