12.30.2005

2005 (poprock)


Resumir uma generosa educação musical num disco ainda que duplo é tarefa só ao alcance dos melhores. LCD Soundsystem, apesar do hype, é o grande disco de 2005. Há quem se oponha dizendo, entre outras coisas, que é música de dança. A esses pergunto: o que é que significa isso da “música de dança”? Música que só se pode ouvir dançando? Música que põe quem a ouve a dançar? Música para arrumar nas prateleiras de “música de dança”? Música menor por natureza? Pum pum pum? E contra argumento: não e não. Não só a “música de dança” não é uma categoria dentro da pop– há N músicas de dança –, como LCD Soundsystem não é música de dança. Ou antes, é isso e muito mais. Ouve-se tão bem a abanar a cachimónia numa pista (lá está) de dança, como de pijama vestido a ler as aventuras de Maria Filomena Mónica.
LCD é um disco com várias leituras possíveis. Uma primeira, mais imediata, para os curiosos que acham que a música pop nasceu com os Smiths e os Joy Division, poderá não deslumbrar completamente. Mas aí o problema é daqueles que acham que a música pop nasceu com os Smiths e os Joy Division. E uma outra para iniciados, que ouviram, ouvem e gostam de ouvir as músicas que James Murphy ouviu, ouve e gosta de ouvir. Estou a falar de Brian Eno; de Talking Heads circa 1980; de The Fall; do punk nova iorquino – o original, é bom não esquecer –; do estúdio jamaicano onde bateria e baixo foram tratados como em nenhum outro lado; de extraordinárias e obscuras bandas nascidas nas mais ordinárias garagens da América.
A música pop é, por excelência, uma criação americana. E é, acima de tudo, ritmo, batida, cadência. Como disse Art Blakey, “the drum is the most important instrument”. Sem a imposição das precursões africanas às melodias dos madrigais que viajaram do velho Continente para o Novo Mundo, a pop nunca teria nascido. E a pop é também repetição, reciclagem, reapreciação da matéria dada. E culto exacerbado de heróis. Dos que passam e dos que ficam. LCD Soundsystem é exactamente isso: ritmos vigorosos, revisitação da memória, evocação de quem mais nos marcou. Uma homenagem a um passado pop, com alguma nostalgia, mas com a certeza a cada segundo de que uma vez pop, pop toda a vida. Fresco, portanto, em qualquer altura.
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