6.21.2004

obrigado (este post não é sobre futebol

Luís Figo (obrigado), para além de muito ter contribuído, como era sua obrigação, para a vitória histórica sobre a Espanha, lançou um tema de discussão deveras interessante: Quem está habilitado a falar de quê?
Diz-nos Figo que, não sendo agricultor, não se atreve a falar sobre agricultura. Parece-me bem. Mas, será que, exceptuando o caso de Figo, não ser-se agricultor é razão suficiente para não se falar de agricultura?
Vejamos o caso de Sevinate Pinto (o nosso bom Ministro da Agricultura), que não é um agricultor no sentido estrito do termo, pois não trabalha a terra com as mãos, nem conduz a charrua, nem apanha as batatas, e, no entanto, farta-se de falar sobre agricultura, com a agravante de falar deste assunto em várias línguas. Ora, não sendo Sevinate um verdadeiro agricultor, nem sendo ele francês ou inglês, pela lógica do nosso Figo, não só não devia falar de agricultura, como apenas devia falar português, pelo que concluo que a remodelação é mesmo urgente.
Para enriquecer esta interessante questão, uns senhores jornalistas da TSF – que ouvi no carro, por entre agradáveis buzinadelas, enquanto regressava a Lisboa vindo do palco da brilhante e histórica vitória sobre a Espanha – afirmavam as suas genuínas dúvidas perante o princípio de Figo. Diziam eles que, em certa medida, concordavam, mas, em certos casos, discordavam. Por exemplo, não sendo advogados, arrogavam-se ao direito de falar sobre justiça. Mas – e agora pergunto eu – será que os advogados podem falar de justiça? Afinal, não são os advogados que fazem a justiça, mas sim os tribunais, ou seja, os juízes. Assim, os advogados, quanto muito, poderão falar de advocacia e, caso estejam casados, do casamento. Mas, atenção, de casamentos apenas devem falar aqueles que os fazem: o 29, o Sempre em Festa, os padres e os conservadores do registo civil, que, por seu lado, também podem falar da forma como se conserva um registo civil.
Seguindo o nosso Figo, chegaremos à boa conclusão de que Santana Lopes anda a falar demais do que não deve. Quando fala das presidenciais, Santana está a falar de matéria reservada única e exclusivamente a Jorge Sampaio, a menos que aqueles que, em tempos idos, hajam sido agricultores também possam falar de agricultura, caso em que o Marocas e o Eanes poderão igualmente falar do assunto favorito de Santana. Cavaco também, mas apenas na óptica do candidato derrotado, na qual os mais habilitados a falar são Garcia Pereira e Manuel João Vieira.
Depois, há casos de abusos de expressão verdadeiramente arrepiantes, como seja o de Nuno Rogeiro. Nuno Rogeiro fala de quase tudo – desde mísseis balísticos até discos de rock progressivo norueguês -, mas, não sendo um industrial de armamento, nem um guitarrista de solos intermináveis, em bom rigor, Rogeiro apenas deveria falar sobre pessoas que sabem um pouco de tudo e muito de algumas coisas - como ele.
Daniel Oliveira, por seu lado, pode falar sobre como escrever muitos posts no blog que mais visitas diárias recebe, mas não pode falar sobre n temas de que, abusivamente, fala, entre os quais, à cabeça, a presidência dos Estados Unidos, tema relativamente ao qual, em Portugal, ninguém pode expressar-se.
Miguel Sousa Tavares é um outro exemplo de como o ser humano pode ser um verdadeiro abusador: quando devia limitar-se a falar sobre si, põe-se a escrever sobre o deserto, não sendo um beduíno, sobre o Alentejo, não sendo alentejano, e sobre futebol, sem ser futebolista, ainda para mais na Bola, sem ser um jornalista desportivo.
Figo, para além de futebol na óptica de quem o joga, poderá igualmente falar de reclames, televisivos e outros, na óptica de quem neles figura. Mas, não pode, de forma alguma, falar de brasileiros naturalizados portugueses que são convocados por Scolari (obrigado, pá) para jogar na selecção. Figo, embora sendo um convocado de Filipão (como todos nós, Baia incluído) para a selecção, não sabe verdadeiramente o que é ser um naturalizado que é convocado. Deco (obrigado), sim, pode falar sobre Deco, mas não deve tentar ter sotaque português de Portugal.
Anda para aí muita gente a falar sobre aquilo que não sabe. O maradona, por exemplo, devia era estar calado e não falar sobre nada, porque nada é algo que ele nunca fez. Ninguém fez nada, porque toda a gente já fez qualquer coisa, e, por isso, qualquer um tem sempre algo sobre o que poderá falar.
Perante tudo isto, escusado será falar demais, para ver se não chateamos o Figo (obrigado).
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