6.14.2004

O que vale é que, agora, as noites eleitorais acabam num instante
Embora estas eleições tenham sido eleições para o parlamento europeu, parece-me óbvio que, no vergonhoso resultado da coligação, é possível descortinar um voto de protesto pela política que internamente tem sido seguida pelo governo. No entanto, a meio de um mandato em que, mais do que antes, foi e continua a ser preciso tomar medidas impopulares, vejo com agrado esse voto de protesto. Ficaria mais preocupado se, da parte do povo, não houvesse descontentamento, não houvesse vontade de castigar nem de mostrar “cartões amarelos”. Tal poderia significar que o Governo não estava a fazer nada, porque – e os socialistas sabem bem que é assim –, no ponto a que chegámos, para se fazer alguma coisa que possa dar frutos no futuro, é preciso começar por desagradar a muita gente. Achei, pois, positivo (embora desconfie que tal venha a ser levado por diante) que Durão Barroso, na segunda parte da sua intervenção, tenha dito que não irá alterar o rumo que está a seguir, em função de sondagens, ou na tentativa de agradar às massas.
Mas, porque estas eleições foram para o parlamento europeu, também têm que ser interpretadas à luz da atitude que os partidos da coligação têm ultimamente tido, perante as questões europeias que interessam. E, a esta luz, Durão Barroso e Paulo Portas têm razão em dizer que na elevadíssima abstenção há muitos eleitores da área da coligação.
Com efeito, ambos os partidos prometeram um referendo à constituição europeia e ambos os partidos, não só não cumpriram tal promessa, como chegaram mesmo a activamente inviabilizá-la, através de manobras espertalhonas de bastidores.
Por outro lado, o PP, um partido eurocéptico com um eleitorado eurocéptico (ou europarado, na expressão de Pedro Lomba), caiu na armadilha da esquerda e de algum PSD, ao reagir da pior maneira às acusações que estes lhe fizeram de ser ‘contra a Europa’, afirmando-se, de repente e de forma que pareceu oportunista, como um partido euroentusiasta. Contra a grande maioria do seu eleitorado.
É um disparate, ou uma ingenuidade, ter vergonha de ser eurocéptico - sendo-o -, porque, ser eurocéptico, não é ser contra a União Europeia e muito menos contra a Europa.
Eu não sou contra a Europa, nem me passa pela cabeça voltar atrás, saindo da EU. No entanto, não quero a constituição europeia que se está a tentar fazer passar, nem quero mais federalismo como se está a tentar implementar, nem quero mais órgãos europeus, nem mais avanços políticos na EU, enquanto não se consolidar e melhorar o que até agora já se avançou. Não vejo em que é que nisto possa haver motivo para ter vergonha. O PP, não pensou assim. Achou que este tipo de discurso o marginalizava e o incompatibilizava com o PSD. Erro. A prova é que, em eleições europeias, e mesmo dando o desconto do natural voto de protesto pela política do Governo, PP e PSD juntos somam muito menos do que PP e PSD separados.
O PP podia perfeitamente (e devia) ter votado contra a revisão constitucional na parte em que a mesma visou adaptar a nossa constituição à futura constituição europeia. Desde logo, porque os seus votos não eram necessários (PSD e PS juntos têm mais de dois terços); depois, porque essa divergência do PSD, em nada poria em causa a coligação - uma coligação implica dois partidos, e dois partidos têm, ainda que coligados, posições diferentes em relação a certas matérias. É, também, essa a sua virtude. Finalmente, porque, ao aprovar à socapa uma revisão constitucional que em parte foi num sentido diverso daquilo que o seu eleitorado esperava, o PP chateou (no mínimo) esse mesmo eleitorado, e indispô-lo a votar nestas eleições.
Assim, se é verdade que o resultado mostra um voto de descontentamento relativamente à política interna seguida pelo governo da coligação – o que, a meu ver, como eleitor da área da coligação, é bom, na medida em que mostra que medidas impopulares, mas necessárias, estão a ser tomadas –, por outro, mostra um descontentamento de algum (muito) eleitorado perante a atitude destes dois partidos, mas sobretudo do PP, relativamente às questões europeias relevantes.
Durante anos tivemos, em Portugal, vergonha de ter um partido credível de direita, como se isso fosse um crime. Agora, parece que temos vergonha de ter um partido credível que não seja euroeufórico. A esquerda, uma vez mais, agradece.


Adenda: Não tendo sido claro, esclareço: a meu ver, o PP devia ter concorrido descoligado nestas eleições. E o PSD também, por supuesto.
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