6.30.2004

Hoje há futebol

Olhando para a constituição, perante a saída de Durão, duas hipóteses se colocam:
A) Indigitação de um novo primeiro-ministro indicado pelo PSD (partido mais votado nas eleições que precederam a presente legislatura) e apoiado pela maioria parlamentar constituída pela coligação; ou
B) Dissolução da Assembleia e convocação de eleições legislativas (poder que o Presidente pode exercer a qualquer momento, incluindo, como é natural, este).
Qualquer destas duas soluções tem cabimento constitucional, pelo que qualquer uma delas é legítima do ponto de vista formal.
Logo, ao Presidente da República, que é quem tem que optar, cabe uma decisão discricionária no sentido em que, entre uma e outra solução, não está legalmente vinculado. Dentro do que a constituição prevê, tanto pode se uma como pode ser a outra. É, portanto, uma decisão política.
Sendo uma decisão política ela terá que ser tomada tendo em conta vários factores, todos eles reconduzíveis a um critério essencial: o interesse do país.
Qual é o interesse do país? Perguntará a si próprio, e a quem mais quiser ouvir, Jorge Sampaio.
É com base na resposta a esta questão que será tomada a sua decisão.
Na minha modesta opinião, e pensando apenas em termos abstractos, o interesse do país seria melhor servido com a nomeação de um novo governo, sem dissolução da assembleia.
Para além dos já mais que batidos argumentos da estabilidade e do normal funcionamento das instituições numa democracia amadurecida, esta seria a forma de respeitar o voto daqueles que há dois anos se dignaram comparecer nas urnas para o depositar na expectativa de que servisse para eleger um parlamento de onde sairia um governo para quatro anos.
Seria, pois, uma decisão legitima, não só do ponto de vista formal (e aí estamos todos de acordo) como, a meu ver, também do ponto de vista substancial – o povo votou, votou para quatro anos, a maioria em quem votou permanece intacta, e pretende continuar a governar.
Acontece que as soluções teóricas quase nunca encaixam com perfeição na realidade. Pelo que convém olhar para a realidade.
Num cenário de não convocação de eleições, temos como única solução aparente Pedro Santana Lopes.

(Abro aqui um parêntesis para deixar bem claro que nada de pessoal me move contra Pedro Santana Lopes – até porque não o conheço pessoalmente – e as objecções que relativamente a ele levanto baseiam-se tão-somente naquilo que fez, ou não fez, nos cargos políticos por onde foi passando e no Sporting. Também já o disse e repito que, com as dúvidas fundadas sobre a competência de Santana Lopes para dirigir o que quer que seja, mistura-se um sentimento de simpatia relativamente a certas facetas do personagem, como sejam a sua coragem muito acima da média da população politica portuguesa, a sua capacidade de resistência aos constantes ataques de que é alvo – de entre os quais há os justos e merecidos, mas também há os cobardes e mesquinhos –, e a sua permanente disposição para se dedicar, bem ou mal, à politica, coisa que, infelizmente, também vai escasseando em Portugal.)

Voltando ao que interessa. A hipótese Santana Lopes apresenta diversos problemas que tornam aquela que teoricamente seria a melhor solução para esta crise, na prática, bastante complicada de seguir por Jorge Sampaio. Desde logo, porque um governo liderado por Santana Lopes terá, em minha opinião, uma legitimidade substancial muito reduzida, ao contrário do que aconteceria com uma solução que passasse, por exemplo, por Manuela Ferreira Leite. Nas eleições de há dois anos, muitos dos eleitores que votaram no PSD de Durão Barroso, votaram num PSD que havia, pouco tempo antes, derrotado em congresso a solução Santana Lopes e, como tal, votaram longe, muito longe, de imaginar que este lhe viesse a suceder antes de nova ida a votos. Pode até dizer-se que muitos dos que votaram no PSD de Durão Barroso votaram contra o PSD de Santana Lopes, tal como muitos dos que se dispuseram a colaborar com a campanha e com o governo de Durão Barroso fizeram-no, precisamente, por não ser a campanha e o governo de Santana Lopes. Daí – e não por qualquer questão pessoal – a diferença que existe entre uma solução encarnada por Santana Lopes e uma outra, encarnada por alguém que representasse o espírito que, no próprio PSD e no país, presidiu à ascensão de Durão Barroso, ascensão essa que foi feita, em grande medida, contra Santana Lopes. Daí a legitimidade de várias pessoas que votaram PSD nas últimas legislativas em sentirem-se enganadas, aldrabadas e traídas. Daí eu considerar que, havendo em qualquer caso uma relativa menor legitimidade num governo formado sem a antecedência de eleições – já que, quer se queira, quer não, as pessoas votam muito a pensar no candidato que vai ocupar o cargo de primeiro-ministro –, menos legitimidade há quando esse governo é encabeçado por alguém contra quem o candidato a primeiro-ministro em quem se votou, antes e por diversas ocasiões, havia combatido.
Um governo de Santana Lopes será sempre um governo que, carregado de legalidade ou de legitimidade formal, terá uma fraca legitimidade eleitoral ou substancial E esta é uma das grandes dificuldades com que Jorge Sampaio se está a debater.
A outra grande dificuldade de Jorge Sampaio - caso conclua que, teoricamente, é melhor para o país não convocar eleições antecipadas -, é a de saber se continua a ser melhor para o país não convocar tais eleições, sendo o governo que se segue um governo liderado por Pedro Santana Lopes. Isto porque o Presidente tem a obrigação de ponderar subjectivamente (embora baseando-se no maior número de dados objectivos que seja capaz de recolher) sobre o potencial dos governos que lhe são apresentados. É para isso que é eleito e é, também, por isso que será avaliado. Mesmo sabendo daquilo que Santana é capaz, para responder a esta questão de forma séria, terão que conhecer-se os nomes dos membros de tal governo, ou, pelo menos, os dos ministros que ocuparão os principais ministérios. Ora, se há qualidade que tem que se reconhecer a Santana Lopes, é a de ser leal e grato aos seus amigos e apoiantes, pelo que, sabendo-se quem eles são, é de esperar o pior das suas escolhas. No entanto, Santana, que de burro não tem nada, sabe perfeitamente que a única forma de responder às fundadas desconfianças que a este nível sobre ele recaem, é apresentando nomes credíveis e acima de qualquer dúvida, que, como se sabe, não são propriamente os nomes das pessoas que habitualmente o seguem.
Concluindo, se Santana Lopes reunir um governo de onde constem nomes como Rui Gomes da Silva, Pedro Pinto, Henriques Chaves, malta das bases, das distritais e das jotas, o Presidente, guiado pelo interesse nacional, deve convocar eleições antecipadas. Se, pelo contrário, Santana Lopes conseguir reunir gente competente e credível, talvez o Presidente aceite nomeá-lo primeiro-ministro, concedendo-lhe o, então, merecido beneficio da dúvida.
Por várias vezes expressei a minha descrença quanto à capacidade de Santana reunir um governo de qualidade, ou mantê-lo por algum tempo, porém, na vida, as surpresas podem surgir quando menos se espera. Ficarei, assim, a aguardar as cenas dos próximos capítulos, na esperança de que Jorge Sampaio consiga decidir bem, optando por aquilo que melhor serve o país.
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