5.17.2004

Porque é que o Iraque me entristece
Saiu há dias, não sei bem onde, um artigo que explica muito bem o que sinto acerca daquilo em que se está a tornar a intervenção no Iraque. Uma trapalhada das sérias. (By the way: Meu caro PPM, usem-se todos os argumentos para defender a permanência das tropas, menos as afirmações de alguém como Ramos Horta, sob pena de descredibilização. A mim, nada interessa o que diz o Ramos Horta sobre este assunto. Um tipo que vive ‘à conta de’ não tem estatuto e independência para dar palpites, para além de não ter cabeça nem sabedoria para dizer o que é bom e o que é mau). Adiante. Os americanos não podem recuar, não devem recuar, e os seus aliados, os que querem sê-lo nos momentos em que os aliados são mesmo necessários, devem igualmente lá ficar. Agora, que isto está a ser mal conduzido, não tenho muitas dúvidas. O Iraque tornou-se num barril de pólvora, ou numa corda de bombas chinesas que rebentam diariamente causando maiores ou menores danos, sempre grandes para quem os sofre. Já sei que, graças a esta ‘séria trapalhada’, foi deposto o assassino Sadam, que este pagou pelos males a que durante anos submeteu os seus concidadãos, que teve o seu castigo, que isso é positivo e de aplaudir. E é. Mas, qual o preço que vai custar este castigo. Poderá ainda ser cedo para dizê-lo, porém, de dia para dia, afigura-se-me cada vez mais claro que é um preço excessivo. Não me venham com conversas ingénuas e politicamente correctas de que qualquer preço é um bom preço quando o fim é depor um ditador sanguinário. Por esse raciocínio, básico, porque não abrir guerra a outras ditaduras, doa a quem doer. Coreia do Norte e Cuba, por exemplo. Atacar estes países. Invadi-los. Livrar os seus povos da opressão dos amigos do Bernardino. Hajam os mortos que houverem, resulte a instabilidade para o mundo que resultar. Depor o Ditador sanguinário é sempre um bom fim, mas se para tal for necessário pôr o mundo de pantanas, teremos que ponderá-lo muito bem.
Como as coisas estão – com bandos à solta por todo lado, atentados espalhados por sete cantos, guerras e guerrilhas religiosas, saques, raptos e sequestros, e mais os episódios, pontuais, mas de impacto profundo, chocantes por tudo e sobretudo por serem inesperados (eu, pelo menos, não esperava) das torturas, onde aparece uma miúda, um calhau, uma gaja miserável que mais parece um puto, a levar um indefeso iraquiano nu por uma trela, como um cão. A infligir a maior humilhação que pode ser infligida a um árabe. Pior que qualquer decapitação. Pior que qualquer tortura.
Não se podem levar mulheres-soldado para tomar conta de prisioneiros árabes, mesmo quando as mulheres-soldado tomam conta deles de acordo com a Convenção de Genebra – o que, não duvido, quase todas as americanas soldados fazem –, é sempre uma humilhação e uma forma de tortura para um árabe estar preso às suas ordens. Os think tanks da D.C. e arredores, tinham obrigação de saber isso e não cometer erros infantis. Usem as mulheres em todas as outras guerras, mas não na frente de combate com árabes, sobretudo a guardá-los (ler o artigo na última Spectator sobre este assunto).
Dizia eu, como as coisas estão, a solução parece não existir, pelo menos a boa solução. Há, pois, que remediar. E, para isso, é fundamental que se passe o controlo do terreno para os locais. Que os aliados venham para a retaguarda, ajudando no que for preciso, mas fora da rua, fora da vista daquela gente que, se um dia os viu como libertadores – e muitos e bem, viram – começa agora a odiá-los.
Tive mixed feelings relativamente à invasão do Iraque, mas, em momento algum, deixei de tentar defender os americanos, procurando, às vezes com grande esforço, argumentos para sustentar as suas acções. A operação militar correu bem. Congratulei-me com a queda de Bagdad, com a prisão de Sadam, com a esperança que isso trouxe a tantos e tantos iraquianos. Mas, agora, começo a temer que tenha sido tudo um grande disparate. Que ao Sadam deposto acabe por suceder um novo Sadam (dizem alguns que é a única forma de por ordem no Iraque, sem passar por uma verdadeira colonização americana), que sobre a cabeça dos americanos, para além do peso das baixas, tornem a voar os complexos do tipo Vietname, fragilizando a sua margem de manobra na política mundial. Que no Iraque, a um regime sanguinário laico, se siga um regime fundamentalista também sanguinário, sem qualquer fantasia de democracia.
Quero, espero, faço por acreditar, que ainda é possível não acabar assim. Mas tenho dúvidas, e, por isso, aqui as conto.
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