O Homem do Armário
Numa grande empresa nacional, instalada num prédio de vários andares, é possível encontrar, num patamar das escadas de serviço, um gajo que passa a vida em pé de frente para um armário a mexer no que lá está dentro. Ninguém faz ideia do que está lá dentro, nem do que o gajo ali faz, mas, sempre que por ali alguém passa, lá está ele a remexer no interior do armário. Aquele vão-de-escada é o seu mundo. Aquele canto do armário é o seu local de trabalho. Mexer no armário é a sua função.
É, no mínimo, incomodativo e, na realidade, revoltante o preço a que são vendidos os DVDs da Criterion Collection. Aos €40 e €50 o filme. Bem sei que esta é, de longe, a melhor colecção do mundo, tanto na forma – capas impecáveis, excelente restauração das fitas e som originais, verdadeiros extras, muitas vezes inéditos – como no conteúdo – estão lá representados muitos dos maiores realizadores de sempre, com especial predominância para os europeus e japoneses, mas também algumas obras marginais, mas importantes, do cinema americano, mais Douglas Sirk, os melhores filmes de Hitchcock (Notorious e Spellbound), o melhor (para mim) realizador da última vaga (Wes Anderson com Rushmore e Royal Tenenbaums), enfim, muita coisa boa como poderão ver no respectivo site. Acresce que, para além do preço, estes filmes encontram-se demasiadas vezes no fundo das banheiras por arrumar da fnac (agora, até tampa eles põe nos alguidares), o que, tornando-os ainda mais apetecíveis, aumenta a dificuldade da sua aquisição. Noutro dia, deixei-me de merdas e cerimónias e mergulhei numa delas para sacar de lá a versão Criterion (a única existente, que eu saiba) do Lord of the Flies de Peter Brook.
Lord of the Flies, começou por ser (e continuará a ser) um livro de William Golding. Uma das mais poderosas distopias do século XX, que relata de forma admirável a evolução (ou involução) comportamental de um grupo de crianças que, subitamente, após um desastre aéreo, se vêem naufragadas e sozinhas numa ilha deserta.
São meninos civilizados os desta história. Inglesas educados num colégio interno elitista, como só em Inglaterra existem, onde foram sujeitos a uma rigorosa, mas equilibrada, disciplina, habituados desde o berço a ter as melhores maneiras.
Civilizados como são, ao verem-se sozinhos naquele fim-de-mundo, começam por procurar organizar-se, escolhendo um líder que distribui tarefas e responsabilidades tendo por objectivo as prioridades colectivas. Porém, à medida que o tempo passa, as vontades, os anseios, os medos, as invejas, as ambições, individuais, começam a tomar conta de alguns, e, quando a luta pela sobrevivência se torna a prioridade e a possibilidade de resgate uma miragem, aquelas crianças esquecem de vez os códigos civilizacionais aprendidos e transformam-se em pequenos selvagens, sendo que, na selva, quem vence são os mais fortes.
Este livro, que parece ter sido escrito para acabar de vez com Rousseau, tenta mostrar-nos que a natureza humana contém muita sacanice e que a liberdade é um bem precioso mas constantemente na corda bamba.
Numa grande empresa nacional, instalada num prédio de vários andares, é possível encontrar, num patamar das escadas de serviço, um gajo que passa a vida em pé de frente para um armário a mexer no que lá está dentro. Ninguém faz ideia do que está lá dentro, nem do que o gajo ali faz, mas, sempre que por ali alguém passa, lá está ele a remexer no interior do armário. Aquele vão-de-escada é o seu mundo. Aquele canto do armário é o seu local de trabalho. Mexer no armário é a sua função.
É, no mínimo, incomodativo e, na realidade, revoltante o preço a que são vendidos os DVDs da Criterion Collection. Aos €40 e €50 o filme. Bem sei que esta é, de longe, a melhor colecção do mundo, tanto na forma – capas impecáveis, excelente restauração das fitas e som originais, verdadeiros extras, muitas vezes inéditos – como no conteúdo – estão lá representados muitos dos maiores realizadores de sempre, com especial predominância para os europeus e japoneses, mas também algumas obras marginais, mas importantes, do cinema americano, mais Douglas Sirk, os melhores filmes de Hitchcock (Notorious e Spellbound), o melhor (para mim) realizador da última vaga (Wes Anderson com Rushmore e Royal Tenenbaums), enfim, muita coisa boa como poderão ver no respectivo site. Acresce que, para além do preço, estes filmes encontram-se demasiadas vezes no fundo das banheiras por arrumar da fnac (agora, até tampa eles põe nos alguidares), o que, tornando-os ainda mais apetecíveis, aumenta a dificuldade da sua aquisição. Noutro dia, deixei-me de merdas e cerimónias e mergulhei numa delas para sacar de lá a versão Criterion (a única existente, que eu saiba) do Lord of the Flies de Peter Brook.
Lord of the Flies, começou por ser (e continuará a ser) um livro de William Golding. Uma das mais poderosas distopias do século XX, que relata de forma admirável a evolução (ou involução) comportamental de um grupo de crianças que, subitamente, após um desastre aéreo, se vêem naufragadas e sozinhas numa ilha deserta.
São meninos civilizados os desta história. Inglesas educados num colégio interno elitista, como só em Inglaterra existem, onde foram sujeitos a uma rigorosa, mas equilibrada, disciplina, habituados desde o berço a ter as melhores maneiras.
Civilizados como são, ao verem-se sozinhos naquele fim-de-mundo, começam por procurar organizar-se, escolhendo um líder que distribui tarefas e responsabilidades tendo por objectivo as prioridades colectivas. Porém, à medida que o tempo passa, as vontades, os anseios, os medos, as invejas, as ambições, individuais, começam a tomar conta de alguns, e, quando a luta pela sobrevivência se torna a prioridade e a possibilidade de resgate uma miragem, aquelas crianças esquecem de vez os códigos civilizacionais aprendidos e transformam-se em pequenos selvagens, sendo que, na selva, quem vence são os mais fortes.
Este livro, que parece ter sido escrito para acabar de vez com Rousseau, tenta mostrar-nos que a natureza humana contém muita sacanice e que a liberdade é um bem precioso mas constantemente na corda bamba.
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