Hang the DJ
A Sara diz-nos que, em havendo bar aberto e um bom DJ, não é contra o casamento. Eu também não. Mas não me atrevo a pôr tais condições.
Se o bar aberto, mais, menos ou nada martelado, lá vai havendo, o bom DJ, no contexto de um casório, é coisa raramente vista.
A abrir, somos normalmente presenteados com um Danúbio Azul em versão Classical Music for People Who Hate Classical Music, como se de um baile de debutantes vienenses pobres se tratasse. Arranca o pai com a noiva, que, após uns passos mal ensaiados, é entregue ao noivo. Seguem-se as famílias nucleares, com todo o swing (de troca, mesmo) possível pelo meio – mãe com noivo, sogro com sogra, mãe da noiva com noivo, pai do noivo com noiva, e, quando o Presidente da Junta está entre os convidados de honra, mãe da noiva com mãe do noivo. Da valsa, passa-se, invariavelmente, para o Sinatra de New York, New York. Este é um standard que nenhum casamento dispensa, parta ele das imediações do Carrefour de Telheiras, seja numa casa de boas famílias, no Pavilhão de Portugal, na messe da Força Aérea ou no pavilhão dos bombeiros. É a hora em que os balões se enchem de whiskey e rodam charutos mais ou menos puros. De Sinatra para Glen Miller, deste para um qualquer francês nostálgico que faz saltar das cadeiras os casais mais obscuros, uns sons latinos qual cruzeiro em Alcapulco, os Beatles da pior fase, os anos do ye ye, e, finalmente, para terminar em beleza o set inicial, o sempre obrigatório hino gay, que põe os casamentos hetero em êxtase - I Will Survive de Gloria Gaynor é, por si só e à força de tanto tocar, a pior música de sempre, usada, nestas ocasiões, para servir de transição do tempo dos ‘mais velhos’ para o tempo dos ‘jovens’.
'A juventude, ha, meu deus, a juventude' (disse um dia o grrrande Rui de Carvalho). A juventude, dizia eu, com a genica própria da idade, gosta de coisas mais mexidas. Vai daí, o DJ faz-lhes a vontade e despeja todo o lixo dos anos 80, altura em que estes jovens eram ainda mais jovens e iniciavam a sua educação musical vendo e ouvindo o Top + e o Countdown. Wham, Bananarama, Flashdance (com o seu intróito fortemente a puxar o sentimento), a primeira música de Brian Adams que até aqueles matulões desengonçados é capaz de pôr a dançar, tal e qual bonecos articulados. Dos 80 para outras ‘sequências’: O medley Gipsy Kings (muita mão no ar e dedos a estalar se vê nesta altura), as Brasileiradas nordestinas, José Cid e restantes nostálgicos do rectângulo, e - coisa que começa a ser perigosamente habitual, inclusive em casamentos de gente civilizada - uma sequência de pimbas lançados e apadrinhados por Herman José. Pelo meio os obrigatórios mega sucessos populares com os seus esquemas xunga, da Bomba ao Macarena, do Saturday Night ao Grease, da Cher ao Bicho. Em edições casamenteiras onde a ruralidade predomina, acrescem àqueles o Apita o Comboio e uma coisa meio tecno, meio alentejana, que parece estar a dar.
Enquanto o DJ trabalha para ganhar os imerecidos cento e poucos contos da praxe, sem nunca deixar a pista, está aquele típico casal, saído de uma sessão dos Alunos de Apolo, dançando o que quer que seja como se fosse um tango, um foxtrot, um cha cha cha. Braços bem esticados, dedos afastados nas mãos bem abertas, uma na outra, outra nas costas do parceiro, hirtos, dão passos firmes e rodopiam velozmente. Toda a gente parece achar-lhes graça, mas a verdade é que este casal, inevitável em qualquer boda, é, não só para cima de ridículo, como deveras incomodativo, ao usar o recinto como se fosse só seu, esbarrando a todo o minuto nas rodinhas mais comedidas que se agitam à sua volta, exibindo com ar contente e concentrado um espectáculo de miséria.
Em matéria musical, um casamento é, quase sempre, uma desgraça. Uma colectânea da Rádio cidade. A melhor forma de, num (cada vez menos) curto espaço de tempo, ouvir o que de pior se fez e vai fazendo.
Hang the DJ
Hang the DJ
Hang the blessed DJ
A Sara diz-nos que, em havendo bar aberto e um bom DJ, não é contra o casamento. Eu também não. Mas não me atrevo a pôr tais condições.
Se o bar aberto, mais, menos ou nada martelado, lá vai havendo, o bom DJ, no contexto de um casório, é coisa raramente vista.
A abrir, somos normalmente presenteados com um Danúbio Azul em versão Classical Music for People Who Hate Classical Music, como se de um baile de debutantes vienenses pobres se tratasse. Arranca o pai com a noiva, que, após uns passos mal ensaiados, é entregue ao noivo. Seguem-se as famílias nucleares, com todo o swing (de troca, mesmo) possível pelo meio – mãe com noivo, sogro com sogra, mãe da noiva com noivo, pai do noivo com noiva, e, quando o Presidente da Junta está entre os convidados de honra, mãe da noiva com mãe do noivo. Da valsa, passa-se, invariavelmente, para o Sinatra de New York, New York. Este é um standard que nenhum casamento dispensa, parta ele das imediações do Carrefour de Telheiras, seja numa casa de boas famílias, no Pavilhão de Portugal, na messe da Força Aérea ou no pavilhão dos bombeiros. É a hora em que os balões se enchem de whiskey e rodam charutos mais ou menos puros. De Sinatra para Glen Miller, deste para um qualquer francês nostálgico que faz saltar das cadeiras os casais mais obscuros, uns sons latinos qual cruzeiro em Alcapulco, os Beatles da pior fase, os anos do ye ye, e, finalmente, para terminar em beleza o set inicial, o sempre obrigatório hino gay, que põe os casamentos hetero em êxtase - I Will Survive de Gloria Gaynor é, por si só e à força de tanto tocar, a pior música de sempre, usada, nestas ocasiões, para servir de transição do tempo dos ‘mais velhos’ para o tempo dos ‘jovens’.
'A juventude, ha, meu deus, a juventude' (disse um dia o grrrande Rui de Carvalho). A juventude, dizia eu, com a genica própria da idade, gosta de coisas mais mexidas. Vai daí, o DJ faz-lhes a vontade e despeja todo o lixo dos anos 80, altura em que estes jovens eram ainda mais jovens e iniciavam a sua educação musical vendo e ouvindo o Top + e o Countdown. Wham, Bananarama, Flashdance (com o seu intróito fortemente a puxar o sentimento), a primeira música de Brian Adams que até aqueles matulões desengonçados é capaz de pôr a dançar, tal e qual bonecos articulados. Dos 80 para outras ‘sequências’: O medley Gipsy Kings (muita mão no ar e dedos a estalar se vê nesta altura), as Brasileiradas nordestinas, José Cid e restantes nostálgicos do rectângulo, e - coisa que começa a ser perigosamente habitual, inclusive em casamentos de gente civilizada - uma sequência de pimbas lançados e apadrinhados por Herman José. Pelo meio os obrigatórios mega sucessos populares com os seus esquemas xunga, da Bomba ao Macarena, do Saturday Night ao Grease, da Cher ao Bicho. Em edições casamenteiras onde a ruralidade predomina, acrescem àqueles o Apita o Comboio e uma coisa meio tecno, meio alentejana, que parece estar a dar.
Enquanto o DJ trabalha para ganhar os imerecidos cento e poucos contos da praxe, sem nunca deixar a pista, está aquele típico casal, saído de uma sessão dos Alunos de Apolo, dançando o que quer que seja como se fosse um tango, um foxtrot, um cha cha cha. Braços bem esticados, dedos afastados nas mãos bem abertas, uma na outra, outra nas costas do parceiro, hirtos, dão passos firmes e rodopiam velozmente. Toda a gente parece achar-lhes graça, mas a verdade é que este casal, inevitável em qualquer boda, é, não só para cima de ridículo, como deveras incomodativo, ao usar o recinto como se fosse só seu, esbarrando a todo o minuto nas rodinhas mais comedidas que se agitam à sua volta, exibindo com ar contente e concentrado um espectáculo de miséria.
Em matéria musical, um casamento é, quase sempre, uma desgraça. Uma colectânea da Rádio cidade. A melhor forma de, num (cada vez menos) curto espaço de tempo, ouvir o que de pior se fez e vai fazendo.
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Hang the blessed DJ
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