3.31.2004

Bring it All back Home

Na minha relação com os discos (diferente da relação com a música) há um misto de compulsão, hesitação e angústia. Sou um daqueles compradores/coleccionadores compulsivos que, em qualquer cidade do mundo, quer conhecer as melhores lojas de discos e, uma vez lá dentro, tem vontade de comprar tudo aquilo que gosta, ou acha que vai gostar. Hesito, quando, por limitações físicas e económicas, concluo que não posso ter de uma só vez todos os discos que quero – a escolha de um disco é sempre a preterição (pelo menos provisória) de um outro – até porque, muitos dos discos que quero são discos que nem sei ainda que quero. A necessidade de decidir, obriga-me a recorrer a alguns critérios, não hierarquizados, nem coerentes, para tentar a cada instante tomar a opção correcta. Tentar, digo bem, porque o dilema nem sempre tem a melhor saída. Nesse instante, em que tento fazer a(s) escolha(s) certa(s), sou assolado por uma angústia, agravada por um dos critérios de escolha que mais constantemente uso e que consiste em intuir qual a probabilidade de, ao não comprar um determinado disco num determinado momento, estar a fazer um disparate do qual mais tarde me irei arrepender, por o disco em causa desaparecer, esgotar ou indisponibilizar-se. Sou, como facilmente se percebe, o alvo perfeito para a praga das limited editions made available for a limited time period only com que a indústria discográfica tenta fazer render os fundos de catálogo.
Quando se tratam de discos de que gosto mesmo muito e que, por alguma razão, representam a minha história da música, a ânsia de não deixar escapar nada leva-me a comprar várias versões do mesmo. A primeira, porque gosto da música; uma nova, porque é remasterizada (burro!, muitas vezes burro); outra, por ser uma edição japonesa com aquelas capas a imitar um LP; mais uma, porque tem músicas extra, lados b de singles, demos, versões de ensaio; mais outra, porque o booklet tem novos textos e fotografias; para não falar dos vinis, onde a saga se repete com as edições em prensagem alemã, quadrifónicas ou de 200 gramas para audiófilos.
‘Porque é que vais comprar outra vez este disco?’‘Mas... esse já tens! Vários, aliás’, – são perguntas em tom vagamente desinteressado perante a compra da 7ª versão do Atom Heart Mother ou de mais uma edição definitiva do White Album. E a resposta, dada de forma súbita mas não brusca, segue sob a forma de um: ‘Porque sim’. – Logo acrescido de um: ‘Porque este tenho a certeza que é bom’ – com a voz na maior das calmas para não ferir uma sensibilidade ingénua e civilizada.
‘Já sei, já sei. Encontramo-nos daqui a duas horas à porta’ – É o comentário resignado à entrada da Other Music, Meca dos discómanos, onde, juntamente com vários alucinados como eu, instalo-me num fim de tarde de sexta-feira para vasculhar e abastecer: do milagroso disco de Damien Rice, de mais uma edição de Tin Drum (‘especial’ e ‘limitada’ com disco extra e novas versões), da última caixa do monumental legado de Miles Davis – as complete sessions de In a Silent Way – e de mais uns discos que o Gerald (uma enciclopédia ambulante) me aconselha.
O que faço eu aqui? Porque compro discos e continuo a comprar discos? Pus-me então a pensar.
Para me martirizar? Não – Por hábito consumista? Também não – Porque gosto, ou acho que vou gostar, da música? Certo.
Mas, acima de tudo, porque, apesar da angústia (ou, talvez, por causa dela), a única coisa melhor que ouvi-los, é comprá-los.


Site Meter