3.18.2004

A angústia de um eleitor a dois anos das presidenciais

Quem não quiser votar no Eng.º Guterres nas próximas eleições presidenciais tem sérias razões para se sentir preocupado com a perspectiva do que estas poderão vir a ser, preocupação que em nada diminui depois da entrevista de Cavaco na SIC; antes pelo contrário.

Cavaco não diz nada. Não estou a referir-me à legítima recusa em dizer se é ou não candidato a presidente – coisa que já sabíamos que ia acontecer –, mas sim ao facto de não dizer nada que não seja dizer que nada diz. Cavaco não pode pronunciar-se sobre isto, porque não fala sobre aquilo; não faz juízos de valor, porque não é de bom-tom; não tem posição sobre a maioria das coisas, porque está afastado da política; não faz comentários, porque está bem na vida e com a vida; limita-se tão só a debitar meia dúzia de banalidades, umas requentadas, outras decorrentes do estilo politicamente correcto que está a tentar adoptar, a partir das quais (tal como a partir dos silêncios) os jornalistas especulam tentando adivinhar as suas intenções e ler o seu pensamento.

O actual cenário não é bom. A estafada novela Santana Lopes somada à expectativa criada por aqueles que dele nem ouvir falar querem, sobre a candidatura de Cavaco (e alimentada pelo próprio), está a dar cabo da possibilidade de vir a existir uma alternativa credível da direita e do centro direita para as presidenciais.

Tem vindo a criar-se a ideia absurda, de que, à direita, a única possibilidade para evitar Santana é a candidatura de Cavaco, e como esta, pelas características do candidato, pode ser lançada até ao último momento, não vale a pena fazer mais nada – ou Cavaco avança quando avançar e Santana salta fora (a bem ou a mal), ou Cavaco não avança e Santana tem, inevitavelmente, o caminho livre, pois ninguém mais lhe poderá fazer frente.

Erro crasso. Não só há outras pessoas na direita que podem ultrapassar uma candidatura de Santana, como não é certo que à direita Cavaco seja a melhor solução para o país, sendo como tal pequeno e modesto termos que à partida nos limitar a estas duas hipóteses. É que, se face a Santana, Cavaco é um bem maior, em abstracto Cavaco (sem prejuízo das suas qualidades e do bom trabalho que já fez) está progressivamente a tornar-se num mal menor, sobretudo nesta sua versão blasé, ainda mais paternalista e ainda menos ideológica.

(O actual Cavaco e o tom das suas intervenções fazem pensar num avô condescendente que pondera, por especial favor, abdicar por uns tempos do conforto da sua cadeira de baloiço para vir ajudar os meninos mal comportados a fazerem os trabalhos de casa e a encontrarem o caminho do sucesso, se eles lhe pedirem muito e meuitas vezes)

O problema é que, ao contrário de Cavaco – que poderá avançar com hipóteses de sucesso para as eleições até pouco tempo antes da sua realização (os tais seis meses) – um outro candidato da direita terá que começar a trabalhar e a mostrar-se mais cedo, não só para encostar Santana, como, sobretudo, para ter a possibilidade de vencer o candidato que a esquerda unida vier a apresentar.

É desta indefinição que Santana vai fazendo a sua grande aposta e é perante esta indefinição que quem não se revê em nenhum destes possíveis candidatos (embora na opção entre um e outro não haja hesitação possível) vai sentindo a sua angústia. Santana sabe que, se Cavaco avançar, terá poucas hipóteses, não tendo nada a perder em impingir-se como seu único suplente; o eleitor angustiado sabe que, enquanto Cavaco não se define, ninguém se atreve a sequer pensar em candidatar-se, sendo que, se Cavaco avançar é Cavaco o candidato e se Cavaco não avançar e apenas comunicar tal decisão a pouco tempo das presidenciais, Santana ficará sozinho em campo por não mais haver tempo para montar uma candidatura alternativa.

Com este panorama nada animador, restar-nos-á (àqueles que definitivamente não querem Santana e apenas a custo engolirão Cavaco) usufruir dos últimos anos de presidência de Jorge Sampaio que, quanto a mim pela primeira vez, conseguiu dar algum sentido (apesar de todas as diferenças políticas) ao chavão ‘presidente de todos os portugueses’.
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