Ainda contra o aborto
Por entre o terrorismo argumentativo de Ana Gomes (que perante um médico que tentava explicar a forma como legitimamente procurava demover as suas pacientes de fazerem um aborto, mostrando-lhes as imagens de uma ecografia feita às poucas semanas de gravidez, disparou: “oh pá! e então uma fotografia de uma criança atingida por uma bomba no Iraque?”), a falta de preparação gritante da deputada Ilda Figueiredo para debater seja o que for (é curioso como ao fim de tantos anos em Bruxelas e depois de tanto apontar para os exemplos de outros países da Europa, a Dra. Ilda não tenha ainda aprendido a ter maneiras, a não ser tão ordinária e mal criada e a deixar os outros falarem) e a tentativa de um grupo de pessoas dizer qualquer coisa perante sistematicas interrupções, lá se passou mais um debate sobre o aborto.
Um a um os argumentos das defensoras do sim.
1- Diferença entre vida humana e pessoa humana. A pessoa humana merece uma tutela absoluta e como tal o seu direito à vida sobrepõe-se a todos os outros. Até aqui estamos todos de acordo. Já a vida humana, conceito mais lato que abrange a vida intra-uterina, não merece, nesse estado e pelo menos até às 12 semanas, a mesma protecção. Porquê? Porque há outros direitos de pessoas humanas que se lhe sobrepõem. A saber: a liberdade e dignidade das mulheres. Não estamos, pois, a falar da opção entre a vida de um ser vivo humano (o feto ou embrião) e de uma pessoa humana (a mulher), uma vez que numa gravidez onde haja risco de vida para a mãe o aborto é legalmente permitido. Estamos a falar na opção entre o direito à vida de um ser humano, ainda que em fase pré pessoa (e aqui estou a conceder apenas para efeito argumentativos, porque para mim não há diferença significativa), e outros direitos que, embora existindo e sendo de humanos já pessoas, são objectiva e hierarquicamente (tendo em conta a nossa hierarquia civilizacional) inferiores ao direito à vida. Nós todos, pessoas humanas, temos direito à nossa integridade física e ao nosso bom nome, entre outros, mas, que eu saiba, em circunstância alguma o nosso ordenamento jurídico permite que matemos alguém para evitar que aqueles direitos sejam violados. É uma questão de proporção.
2- Ninguém defende o aborto. É mentira. Quem defende a liberdade de uma mulher fazer um aborto e defende que essa liberdade é ilimitável, pelo menos até uma determinada fase da gravidez, está a defender o aborto. Está a defender o aborto das mulheres que tendo uma gravidez indesejada, independentemente dos motivos que a tornam indesejada (e, no limite, apenas porque não querem ter um filho), querem abortar. O que ninguém defende é que as mulheres que não querem ter filhos engravidem e se vejam confrontadas com a hipótese de abortar. Mas, se isso acontecer - e não há nada, nem lei, nem politica, nem meio, que possam prevenir a 100% que isso aconteça - as águas dividem-se entre aqueles que consideram que ela, mulher, pessoa humana, deve ter o direito de escolher ter ou não ter o filho, defendendo, consequentemente e neste contexto de gravidez indesejada, o aborto, e os que consideram que ela não tem esse direito, excepto (e digo excepto porque vou falar em excepções) nos casos em que o motivo que leva a mulher a não querer ter o filho é de tal maneira essencial que passa a ser atendível, como seja o não querer correr o sério risco de vida para ter um filho (vida de um ser humano vs. vida de uma pessoa humana). Sejamos claros, há quem defenda o aborto (quando uma mulher quer) e há quem não o defenda.
3- São concepções e/ou preconceitos religiosos e políticos que movem os defensores do não. Não é verdade, pelo menos no que respeita aos defensores do não que conheço. O que leva a defender o não é acima de tudo uma noção de responsabilidade humana, essencial ao próprio conceito de humanidade. A vida humana é inviolável, a vida humana começa com a concepção (é um facto cientifico), então, a menos que estejamos perante direitos de igual ou superior (haverá?) importância, a vida humana, a partir do momento em que existe, é inviolável, e nós, que proclamamos esse direito à vida e o consideramos inviolável somos responsáveis por preservá-lo. É, pois, uma concepção científica, jurídica e acima de tudo civilizacional (e logo Política, com P grande), que só fica bem às religiões e políticas (agora com p pequeno) que as seguem.
4- É inadmissível que as mulheres sejam postas na cadeia. É verdade, em muitos casos é verdade. Para esses existem já instrumentos legais que salvaguardam as mulheres. A falta de culpa, o estado de necessidade desculpante, a inexistência de dolo. Mas atenção, nem sempre tal sucede. Só os ingénuos acham que não há abortos feitos de forma leviana, perfeitamente consciente, voluntária e reiterada, para além, mais grave que tudo, daqueles que, em qualquer contexto, usurariamente se aproveitam das mulheres que querem abortar para ganharem dinheiro. E, se é inadmissível que as mulheres sejam condenadas a prisão por fazerem um aborto até às 12 semanas, será já admissível que sejam presas se o aborto for feito às 12 semanas e 1 dia? Como condenar (judicialmente) uma mulher que, coagida pelo marido ou família e com medo físico destes, faça um aborto às 13 semanas, e não uma outra que sem qualquer coacção ou pressão, com as tais “condições objectivas” para ter um filho e em perfeita consciência, faça um aborto às 5 semanas? Quem defende o sim, por uma questão de coerência, não deveria estabelecer o limite das 12 semanas - não tem qualquer justificação cientifica e apenas serve como táctica politica para amenizar as consciências e permitir uma maior aceitação social das suas propostas.
5- A lei actual é hipócrita e não evita os abortos. É hipócrita porque condena sem condenar. Não é verdade, a lei é aplicada, tanto quando condena, como quando não condena. Qualquer julgamento de um alegado crime pode terminar com a absolvição - e nisto não há qualquer hipocrisia mas tão só justiça -, e mesmo que todas as pessoas julgadas por um determinado crime, sejam absolvidas, continua a haver justiça. Num estado de direito, há justiça quando um tribunal absolve ou condena, quando anula ou confirma uma sentença, quando se provam ou não se provam, os factos ou a culpa de quem os pratica, há justiça porque é nos tribunais que se faz justiça. A lei não evita os abortos, como não evita os homicídios, a fuga aos impostos, a pedofilia ou o roubo. A lei não evita mas procura evitar, e é para isso que ela existe, pois se só pudesse existir quando fosse integralmente cumprida nunca existiria e, como tal, nunca seria lei.
6- Quem nasce deve nascer com dignidade. Este tipo de argumento, que pressupõe sempre por parte de quem o invoca que a dignidade está ligada ao conforto físico e material, é, quanto a mim, o mais perigoso de todos. Se considerar-se que apenas se deve tutelar a vida ou expectativa de vida daqueles que podem e vão nascer saudáveis, prósperos, com quarto, cama, tecto, mesada, limpos, bonitos, fortes, novos, a rir, com perspectivas de carreira, com perspectivas de ter o que comer, daqueles que não vão dar trabalho, ou mais trabalho, ou muito mais trabalho, daqueles que não vão pesar no orçamento, na lista do supermercado, que não correm riscos de ir parar à casa pia ou a uma qualquer sarjeta, ou ser vendidos, ou ser mortos à pancada, que não vão sofrer, ter dor, ou medo, daqueles que obrigatoriamente vão ter que ser felizes, então está bem - defenda-se a liberdade de quem os carrega na barriga definir quem vai ser feliz e a liberdade de, prevendo a sua infelicidade, abortar. Se não, se se considerar que a dignidade é algo que se tem pelo simples facto de existir, esse argumento já não vale.
Por entre o terrorismo argumentativo de Ana Gomes (que perante um médico que tentava explicar a forma como legitimamente procurava demover as suas pacientes de fazerem um aborto, mostrando-lhes as imagens de uma ecografia feita às poucas semanas de gravidez, disparou: “oh pá! e então uma fotografia de uma criança atingida por uma bomba no Iraque?”), a falta de preparação gritante da deputada Ilda Figueiredo para debater seja o que for (é curioso como ao fim de tantos anos em Bruxelas e depois de tanto apontar para os exemplos de outros países da Europa, a Dra. Ilda não tenha ainda aprendido a ter maneiras, a não ser tão ordinária e mal criada e a deixar os outros falarem) e a tentativa de um grupo de pessoas dizer qualquer coisa perante sistematicas interrupções, lá se passou mais um debate sobre o aborto.
Um a um os argumentos das defensoras do sim.
1- Diferença entre vida humana e pessoa humana. A pessoa humana merece uma tutela absoluta e como tal o seu direito à vida sobrepõe-se a todos os outros. Até aqui estamos todos de acordo. Já a vida humana, conceito mais lato que abrange a vida intra-uterina, não merece, nesse estado e pelo menos até às 12 semanas, a mesma protecção. Porquê? Porque há outros direitos de pessoas humanas que se lhe sobrepõem. A saber: a liberdade e dignidade das mulheres. Não estamos, pois, a falar da opção entre a vida de um ser vivo humano (o feto ou embrião) e de uma pessoa humana (a mulher), uma vez que numa gravidez onde haja risco de vida para a mãe o aborto é legalmente permitido. Estamos a falar na opção entre o direito à vida de um ser humano, ainda que em fase pré pessoa (e aqui estou a conceder apenas para efeito argumentativos, porque para mim não há diferença significativa), e outros direitos que, embora existindo e sendo de humanos já pessoas, são objectiva e hierarquicamente (tendo em conta a nossa hierarquia civilizacional) inferiores ao direito à vida. Nós todos, pessoas humanas, temos direito à nossa integridade física e ao nosso bom nome, entre outros, mas, que eu saiba, em circunstância alguma o nosso ordenamento jurídico permite que matemos alguém para evitar que aqueles direitos sejam violados. É uma questão de proporção.
2- Ninguém defende o aborto. É mentira. Quem defende a liberdade de uma mulher fazer um aborto e defende que essa liberdade é ilimitável, pelo menos até uma determinada fase da gravidez, está a defender o aborto. Está a defender o aborto das mulheres que tendo uma gravidez indesejada, independentemente dos motivos que a tornam indesejada (e, no limite, apenas porque não querem ter um filho), querem abortar. O que ninguém defende é que as mulheres que não querem ter filhos engravidem e se vejam confrontadas com a hipótese de abortar. Mas, se isso acontecer - e não há nada, nem lei, nem politica, nem meio, que possam prevenir a 100% que isso aconteça - as águas dividem-se entre aqueles que consideram que ela, mulher, pessoa humana, deve ter o direito de escolher ter ou não ter o filho, defendendo, consequentemente e neste contexto de gravidez indesejada, o aborto, e os que consideram que ela não tem esse direito, excepto (e digo excepto porque vou falar em excepções) nos casos em que o motivo que leva a mulher a não querer ter o filho é de tal maneira essencial que passa a ser atendível, como seja o não querer correr o sério risco de vida para ter um filho (vida de um ser humano vs. vida de uma pessoa humana). Sejamos claros, há quem defenda o aborto (quando uma mulher quer) e há quem não o defenda.
3- São concepções e/ou preconceitos religiosos e políticos que movem os defensores do não. Não é verdade, pelo menos no que respeita aos defensores do não que conheço. O que leva a defender o não é acima de tudo uma noção de responsabilidade humana, essencial ao próprio conceito de humanidade. A vida humana é inviolável, a vida humana começa com a concepção (é um facto cientifico), então, a menos que estejamos perante direitos de igual ou superior (haverá?) importância, a vida humana, a partir do momento em que existe, é inviolável, e nós, que proclamamos esse direito à vida e o consideramos inviolável somos responsáveis por preservá-lo. É, pois, uma concepção científica, jurídica e acima de tudo civilizacional (e logo Política, com P grande), que só fica bem às religiões e políticas (agora com p pequeno) que as seguem.
4- É inadmissível que as mulheres sejam postas na cadeia. É verdade, em muitos casos é verdade. Para esses existem já instrumentos legais que salvaguardam as mulheres. A falta de culpa, o estado de necessidade desculpante, a inexistência de dolo. Mas atenção, nem sempre tal sucede. Só os ingénuos acham que não há abortos feitos de forma leviana, perfeitamente consciente, voluntária e reiterada, para além, mais grave que tudo, daqueles que, em qualquer contexto, usurariamente se aproveitam das mulheres que querem abortar para ganharem dinheiro. E, se é inadmissível que as mulheres sejam condenadas a prisão por fazerem um aborto até às 12 semanas, será já admissível que sejam presas se o aborto for feito às 12 semanas e 1 dia? Como condenar (judicialmente) uma mulher que, coagida pelo marido ou família e com medo físico destes, faça um aborto às 13 semanas, e não uma outra que sem qualquer coacção ou pressão, com as tais “condições objectivas” para ter um filho e em perfeita consciência, faça um aborto às 5 semanas? Quem defende o sim, por uma questão de coerência, não deveria estabelecer o limite das 12 semanas - não tem qualquer justificação cientifica e apenas serve como táctica politica para amenizar as consciências e permitir uma maior aceitação social das suas propostas.
5- A lei actual é hipócrita e não evita os abortos. É hipócrita porque condena sem condenar. Não é verdade, a lei é aplicada, tanto quando condena, como quando não condena. Qualquer julgamento de um alegado crime pode terminar com a absolvição - e nisto não há qualquer hipocrisia mas tão só justiça -, e mesmo que todas as pessoas julgadas por um determinado crime, sejam absolvidas, continua a haver justiça. Num estado de direito, há justiça quando um tribunal absolve ou condena, quando anula ou confirma uma sentença, quando se provam ou não se provam, os factos ou a culpa de quem os pratica, há justiça porque é nos tribunais que se faz justiça. A lei não evita os abortos, como não evita os homicídios, a fuga aos impostos, a pedofilia ou o roubo. A lei não evita mas procura evitar, e é para isso que ela existe, pois se só pudesse existir quando fosse integralmente cumprida nunca existiria e, como tal, nunca seria lei.
6- Quem nasce deve nascer com dignidade. Este tipo de argumento, que pressupõe sempre por parte de quem o invoca que a dignidade está ligada ao conforto físico e material, é, quanto a mim, o mais perigoso de todos. Se considerar-se que apenas se deve tutelar a vida ou expectativa de vida daqueles que podem e vão nascer saudáveis, prósperos, com quarto, cama, tecto, mesada, limpos, bonitos, fortes, novos, a rir, com perspectivas de carreira, com perspectivas de ter o que comer, daqueles que não vão dar trabalho, ou mais trabalho, ou muito mais trabalho, daqueles que não vão pesar no orçamento, na lista do supermercado, que não correm riscos de ir parar à casa pia ou a uma qualquer sarjeta, ou ser vendidos, ou ser mortos à pancada, que não vão sofrer, ter dor, ou medo, daqueles que obrigatoriamente vão ter que ser felizes, então está bem - defenda-se a liberdade de quem os carrega na barriga definir quem vai ser feliz e a liberdade de, prevendo a sua infelicidade, abortar. Se não, se se considerar que a dignidade é algo que se tem pelo simples facto de existir, esse argumento já não vale.
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