11.14.2003

Cindy Sherman

Quando, algures no fim dos anos 70, uma jovem pseudo feminista de New Jersey sonhou que queria ser artista, a obra começou a nascer. Mas atenção, não foi uma qualquer obra. Entre 1977 e 1980, sob o forma de fotografia, Cindy Sherman, atrás e à frente da câmara, deu à luz que necessariamente tem que iluminar o objecto fotografado, e a todos nós, simples mortais, um conjunto de imagens que jamais poderá ser ignorado por quem tiver o privilégio de as ver.
Os Untitled Film Stills, uma série de 69 fotografias, são, para mim, uma das obras centrais de toda a arte contemporânea. Nela está representado todo o imaginário feminino, que não feminista (como alguns insistem em apontar), sob várias das abordagens que dele é possível fazer. A mulher como género. Às vezes como objecto outras como objectivo ou com o objectivo de nos tornar, a nós, objectos. Frágil e ingénua mas poderosa. A bomba. Inteligente, não inteligente mas ainda assim criada com muita inteligência. A mulher fatal que chega a casa e deixa cair as compras no chão ou as atira ao chão para se deixar sobre ele cair. Assustada e a precisar de ajuda. Assustada porque não sabe bem se a ajuda é boa ou má. Quase sempre tesuda. Quase nunca bonita. Sempre, mas sempre, cheia de personalidade e postura.
Cindy Sherman é, por encarnar todas as suas personagens, tudo isto. Mas pode também ser outra coisa. Pode ser apenas alguém que teve uma boa ideia e com muito talento, alguma imaginação e poucos recursos, criou um mundo onde se consegue retratar mas no qual nunca quis habitar. Como disse um critico “(..) photograph after photograph, Sherman was ever present, and yet never really there”.
Como todas as grandes obras, os Untitled Film Stills são intemporais.
É certo que o décor é datado. É certo que faz lembrar policiais de série b e neo-realismos de baixo orçamento. É certo que aquelas roupas já não se fazem e pouco se usam. É certo que a Nova Iorque que por vezes aparece já não existe. É certo que o mundo mudou. Mas, se há um passado que se imagina atrás de cada uma daquelas imagens e personagens, não há, à sua frente, qualquer futuro, pois o futuro é demasiado curto para nele caber toda a eternidade.



Foi (até que enfim!) pela primeira vez editado um livro com estas 69 imagens.
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