11.22.2003

ainda a Turquia

JV insurge-se (fundamentadamente) contra a minha vontade em ver a Turquia na UE. Diz-me que não são principalmente económicos os “critérios” que eu menosprezo, mas sociais e políticos, e chuta-me um relatório de 140 páginas sobre os ditos, que, admito, não li. Segundo opina JV, a Turquia ainda não dá garantias de bom comportamento, para além de, em tempos idos, nos ter obrigado a disparar os canhões.
Meu caro,
Confesso que a declaração de apoio à entrada da Turquia no clube, foi feita de forma algo anárquica, sem pensar aprofundadamente sobre o assunto, e movida, não tanto pelo ataque de ontem, mas por uma simpatia que tenho por este país e pelo facto de a sua selecção, de forma injusta, ter ficado fora do Euro2004. Tal não significa, porém, que reconheça ser o que disse, de algum modo, descabido.
Em primeiro lugar, a Turquia (tendo, é certo, uma parte do território na Ásia) fica na Europa. Não é uma questão de correcção política, é uma questão de geografia.
Em segundo lugar, o facto de os turcos terem combatido outros europeus nada releva para o caso. São inúmeras e violentas as guerras que desde sempre houveram entre europeus. Foi, aliás, sobre essas guerras que, século após século, se foram formando e (há que admitir) consolidando os valores que fundamentam parte dos tais critérios que JV, eu e todas as pessoas de bem, consideramos importantes.
Em terceiro lugar e indo aos critérios - sociais, políticos e outros -, quando falamos dos turcos, não estamos a falar de selvagens que no passado, quando a selvajaria reinava, foram importantes. Estamos a falar de gente não muito diferente de nós. Mais civilizada ou menos civilizada, mais boçal ou menos boçal. Talvez não seja má ideia ir lá para conhecer ao vivo e para além dos relatórios.
Concedo que a Turquia ainda tem que “melhorar”. Há algum défice em matérias importantes, que, digo eu, mais depressa será corrigido dentro do que fora.
Mas atenção! A ideia de aplicar indistintamente um modelo único a todos os Estados, tem originado as maiores barbaridades, com consequências fatais para os respectivos povos, em nome da boa consciência dos importadores de modelos de “boa democracia” (veja-se o caso de África). Não se trata de “multiculturalismo” como religião. Trata-se, tão só, de realismo.
Quanto ao resto e bem vistas as coisas, talvez eu não leve tão a sério como isso a “construção” da UE. Pois é. Há dias em que as minhas favorite things são menos de Julie Andrews e mais de John Coltrane. Quase todos.

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